terça-feira, 17 de agosto de 2010

Será que a igreja realmente não passará pela Grande Tribulção?


1Ts. 4.13-18
"Não quero, porém, irmãos, que sejais ignorantes acerca dos que já dormem, para que não vos entristeçais, como os demais, que não têm esperança. Porque, se cremos que Jesus morreu e ressuscitou, assim também aos que em Jesus dormem Deus os tornará a trazer com ele. Dizemo-vos, pois, isto pela palavra do Senhor: que nós, os que ficarmos vivos para a vinda do Senhor, não precederemos os que dormem.
Porque o mesmo Senhor descerá do céu com alarido, e com voz de arcanjo, e com a trombeta de Deus; e os que morreram em Cristo ressuscitarão primeiro; depois, nós, os que ficarmos vivos, seremos arrebatados juntamente com eles nas nuvens, a encontrar o Senhor nos ares, e assim estaremos sempre com o Senhor. Portanto, consolai-vos uns aos outros com estas palavras."
2Ts. 2.1-12
Ora, irmãos, rogamo-vos, pela vinda de nosso Senhor Jesus Cristo e pela nossa reunião com ele, que não vos movais facilmente do vosso entendimento, nem vos perturbeis, quer por espírito, quer por palavra, quer por epístola, como de nós, como se o Dia de Cristo estivesse já perto. Ninguém, de maneira alguma, vos engane, porque não será assim sem que antes venha a apostasia e se manifeste o homem do pecado, o filho da perdição, o qual se opõe e se levanta contra tudo o que se chama Deus ou se adora; de sorte que se assentará, como Deus, no templo de Deus, querendo parecer Deus.
Não vos lembrais de que estas coisas vos dizia quando ainda estava convosco? E, agora, vós sabeis o que o detém, para que a seu próprio tempo seja manifestado. Porque já o mistério da injustiça opera; somente há um que, agora, resiste até que do meio seja tirado; e, então, será revelado o iníquo, a quem o Senhor desfará pelo assopro da sua boca e aniquilará pelo esplendor da sua vinda; a esse cuja vinda é segundo a eficácia de Satanás, com todo o poder, e sinais, e prodígios de mentira, e com todo engano da injustiça para os que perecem, porque não receberam o amor da verdade para se salvarem. E, por isso, Deus lhes enviará a operação do erro, para que creiam a mentira, para que sejam julgados todos os que não creram a verdade; antes, tiveram prazer na iniqüidade.

Segundo o autor Dwight Pentencost, teólogo dispensacionalista, a teoria escatológica dispensacionalista ou pré-tribulacionista defende que a igreja será, “por ressurreição e por transferência, retirada da terra antes de começar qualquer parte da septuagésima semana de Daniel”. (p. 217, 2006).


A teoria dispensacionalista teve seu inicio através do sacerdote irlandês John Nelson Darby (1800-1882). Entre outros ensinamentos Darby argumentava que havia uma radical descontinuidade entre a igreja e Israel, defendendo dessa forma a existência de dois povos distintos pertencentes a Deus, o qual tinha planos diferentes para cada um desses povos. Dwight Pentencost argumenta que:

A igreja e Israel são dois grupos distintos para os quais Deus tem um plano divino. A igreja é um mistério não-revelado no Antigo Testamento. Essa era de mistério presente insere-se no plano de Deus para com Israel por causa da rejeição ao Messias na Sua primeira vinda. Esse plano de mistério deve ser completado antes que Deus possa retornar seu plano com Israel e completá-lo. (2006, 217).

Junto com essa crença de uma separação entre a igreja e Israel, os dispensacionalistas defendem que a igreja será arrebatada antes da septuagésima semana profetizada por Daniel (Dn. 9.24-27), período também conhecido como a “Grande Tribulação”.

Escrevendo sua segunda carta à igreja de Tessalônica, no capítulo 2.1-12, o apóstolo Paulo corrige alguns falsos entendimentos “no que diz respeito à vinda de nosso Senhor Jesus Cristo e à nossa reunião com ele” (v. 1), que estava ocorrendo na igreja macedônica.

O erro que estava circulando naquela igreja era de estar “supondo tenha chegado o Dia do Senhor” (v. 2). O comentarista William Hendriksen, destacado escritor reformado, entende esse erro da seguinte forma:

Essas pessoas em estado de entusiasmo estavam convictas de que ‘o dia do Senhor’ (ou seja, o dia de seu retorno para juízo e dos sinais que imediatamente precederiam sua chegada) já estava presente. Uns poucos dias mais, semanas ou meses, no máximo, e Jesus pessoalmente faria sua aparição nas nuvens do céu. Seu ‘dia’ chegará. (p. 197, 2007).

Os irmãos tessalonicenses haviam compreendido mal o ensinamento de Paulo na sua primeira carta sobre a vinda de Cristo, confundindo a vinda súbita com uma vinda imediata. Com essa interpretação concorda o teólogo I. Howard Marshal, o qual acrescenta: “Deve ser notado que o problema dos leitores não era, portanto, a demora da parusia, mas, sim, sua crença de que estava esmagadoramente iminente.” (p. 220, 2007).

Então, o apóstolo, no verso três, escreve dizendo “Ninguém, de nenhum modo, vos engane, porque isto não acontecerá sem que primeiro venha a apostasia e seja revelado o homem da iniqüidade, o filho da perdição,”. Nesse verso, Paulo claramente está afirmando que “a vinda de Cristo e a nossa reunião com ele” será precedida de dois sinais: a apostasia e a revelação do homem da iniqüidade, o filho da perdição.

O primeiro sinal, apostasia significa “queda, caída, rebelião, revolta.” (LOPES, p. 176, 2008). O teólogo Antony Hoekema argumenta:

Conforme empregada em 2 Tessalonicenses 2.3, a palavra apostasia é precedida por um artigo definido: a apostasia ou a rebelião. Tanto o artigo como a declaração de que esse acontecimento tem de preceder a Parousia indicam que o que aqui é predito é uma apostasia final e culminante, imediatamente anterior ao tempo do fim. (p. 184, 2001).

Todavia, é sobre o segundo sinal, o aparecimento do homem da iniquidade (antropos tes avomias) que manteremos uma atenção especial.

Mas, quem será esse “homem da iniqüidade, o filho da perdição” que o apóstolo claramente afirma que deverá aparecer (apocalipse) no cenário histórico antes que Cristo volte para a igreja possa se reunir com ele?

Segundo William Hendriksen o “antropos tes anomias” é o anticristo escatológico descrito nas epistolas joaninas: “Há também, toda razão para crer-se que o homem da iniqüidade descrito por Paulo é a mesma pessoa mencionada por João como sendo o anticristo.” (p. 200, 2007).

Hendriksen ainda fornece algumas razões que o levam a tal afirmação. Primeiro ele diz que “’O homem da iniquidade’ será revelado imediatamente antes da vinda de Cristo. O anticristo, acerca de quem os leitores têm recebido informações prévias, virá ‘na última hora’ (2Ts. 2.8; 1Jo. 2.18)” (p. 201, 2007); Segundo motivo é “’O mistério da iniquidade’ já está em operação. Mesmo agora ‘há muitos anticristos’ (2Ts. 2.7; 1Jo. 2.18)” (p. 201, 2007). o autor dessa forma argumenta que assim como o apóstolo João, Paulo também identifica que vários anticristos já tem se levantado nos seus dias. O terceiro motivo é descrito com essas palavras: “A vinda de ‘o homem da iniquidade’ é segundo a eficácia de Satanás, com grandes sinais e milagres, todos eles falsos. Semelhantemente, o anticristo é denominado de mentiroso e enganador (2Ts. 2.9; 1Jo. 2.22; 2Jo. 7)” (p. 201, 2007).

O pastor e teólogo presbiteriano, Hernandes Dias Lopes, segue a mesma linha de raciocínio Hendriksen quando argumenta: “Na teologia do apóstolo Paulo, o anticristo é visto como o homem do pecado. (2Ts. 2.3)” (p. 179, 2008).

O teólogo dispensacionalista Stanley M. Horton também identifica o “antropos tes anomias” com o anticristo joanino, quando reveste o anticristo dos atributos do “antropos tes anomias”. Por exemplo, ele diz que o “anticristo ‘se opõe e se levanta contra tudo o que se chama Deus ou se adora’ [...], e o anticristo ‘se assentará, como Deus, no templo de Deus, querendo parecer Deus’ (2Ts. 2.4). (p. 637, 2006). Stanley ainda continua dizendo que a vinda do anticristo será “segundo a eficácia de Satanás, como todo o poder, e sinais, e prodígios de mentira, e com todo engano da injustiça para os que perecem” (2Ts. 2.9,10).

Logo, mostra-se bastante evidente que “o homem da iniqüidade” na teologia paulina é a mesma pessoa do “anticristo” na teologia joanina. (cf. Daniel 7.19-27; Apocalipse 13.1-8).

Mas, em que momento da história o “anticristo” figurará?

De acordo com o teólogo Stanley M. Horton o “anticristo” exercerá seu ministério sombrio durante a chamada “grande tribulação”. Ele argumenta que o anticristo “conseguirá o controle econômico e se tornará ditador do mundo inteiro. [...]. E depois, no fim da grande tribulação, comandará os exércitos de muitas nações arregimentados por Satanás, em Armagedom.” (p. 637, 2006).

Outro autor dispensacionalista que afirma que o “anticristo” estará em ação durante a “grande tribulação” é o teólogo J. Dwight Pentecost quando descrevendo algumas características do período da “grande tribulação” afirma que “As Escrituras falam muito sobre o individuo que aparecerá no fim dos tempos [...].” (p. 349, 2006). Ainda segundo Pentecost, agora citando o teólogo dispensacionalista Artur W. Pink, esse indivíduo escatológico, que aparecerá durante a “grande tribulação”, nas Escrituras recebe o nome de “o homem da iniqüidade (2Ts. 2.3), o filho da perdição (2Ts. 2.3), o iníquo (2Ts. 2.8), o anticristo (1Jo. 2.22), [...]. (p. 350, 2006), entre outros.

Todavia, se como concluímos acima, o “antropos tes anomias” ou “o homem da iniqüidade” citado por Paulo é o perverso “anticristo” retratado nas epístolas joaninas, e se esse “antropos tes anomias” realizará seus planos perversos no período chamado de “grande tribulação”, logo, no entender desse autor, a teologia dispensacionalista perde muito da sua força e coerência pelas seguintes razões:

(i) Como citamos acima o erro que estava circulando na igreja de Tessalônica era que a vinda de Cristo seria imediata, ou seja, a qualquer instante, cerca de poucos dias ou meses, Jesus voltaria para reunir a sua igreja junto a Ele. Contudo, o apóstolo afirma no verso 3: “Ninguém, de nenhum modo, vos engane, porque isto não acontecerá sem que primeiro venha a apostasia e seja revelado o homem da iniqüidade, o filho da perdição,”. O que Paulo quer expressar é que a volta de Cristo e a nossa [da igreja] reunião com Ele se dará após a apostasia e a manifestação do homem da iniqüidade, juntamente com a tribulação que acompanhará sua manifestação. Como bem escreveu o teólogo Anthony Hoekema,

Portanto, qual seria o objetivo da advertência de Paulo se estes crentes fossem removidos da terra antes da tribulação? Uma vez que a igreja, em Tessalônica, era na sua maioria composta por crentes gentios, não se pode dizer que Paulo estivesse aqui descrevendo apenas para cristãos judeus. (p. 200, 2001).

Logo, a teologia pré-tribulacionista removeria da argumentação de Paulo a sua fundamentação, pois a igreja de Tessalônica, e de qualquer outro lugar, não precisaria esperar a manifestação do “homem da iniqüidade”, nem mesmo sua derrota pela vinda de Cristo (2Ts. 2.8) para se reunir com ele.

(ii) Em 2Ts. 2.1, o apóstolo afirma o tema da sua argumentação do capítulo, com as palavras “Irmãos, no que diz respeito à vinda de nosso Senhor Jesus Cristo e à nossa reunião com ele, nós vos exortamos,”. Primeiro vamos analisar o termo “vinda” (parousia) esse termo significa “visita”, “presença”, “vinda” ou “retorno”. De acordo com Hernandes Dias Lopes (p. 104, 2008), citando Wiliam Barclay, diz que o termo parousia descreve a vinda de um rei, de um imperador, de um governador, depois essa palavra começou a significar a visita de um deus. Esse termo é o mesmo utilizado por Paulo em 1Ts. 4.15 “Dizemo-vos, pois, isto, pela palavra do Senhor: que nós, os que ficarmos vivos para a vinda (parousia) do Senhor, não precederemos os que dormem”. Isso serve para mostrar que o evento descrito em 1Ts. 4.13-18, texto muito usado pelos dispensacionalistas para ensinar um arrebatamento pré-tribulancionista, é o mesmo evento de 2Ts. 2.1; nos dois textos Paulo ensina sobre a vinda do Senhor.

Diante do exposto acima, chegamos a conclusão de que a parousia de 1Ts. 4.13-18 é a mesma parousia de 2Ts. 2.1, logo a parousia se dará após a “grande tribulação”e não antes dela. Um outro termo importante a ser analisado é “nossa reunião com ele” (episynagoge). Segundo Anthony Hoekema episynagoge “é a forma substantivada do verbo utilizado para o arrebatamento em Materus 24.31: ‘os quais reunirão (episynago) os seus escolhidos ... de uma a outra extremidade dos céus’.” (p. 200, 2001). Além do mais, em 1Ts. 4.17 está escrito: “Depois nós, os que ficarmos vivos, seremos arrebatados juntamente com eles nas nuvens, a encontrar o Senhor nos ares, e assim estaremos sempre com o Senhor”. Paulo está dizendo que a igreja, na vinda de Cristo, será arrebatada para estar (esometa) para sempre com o Senhor; mas Paulo em 2Ts. 2.1,3 diz que a nossa reunião ou estar (esometa) com o Senhor, só se dará depois da aparição do “homem da iniquidade”, logo a passagem de 1Ts. 4.13-18 que ensina sobre o arrebatamento ensina que esse evento acontecerá após o aparecimento do “anticristo” e sua derrota pela vinda de Cristo.

Diante dos argumentos apresentados, a opinião do autor do presente estudo é de que, no mínimo, os textos de 1Ts. 4.13-18 e 2Ts. 2.1-12 não fundamentam a teologia pré-tribulacionista. Todavia, sempre que tratamos da área teológica da esatologia (o estudo das últimas coisas) devemos ter em mente que esse assunto não é matéria de ortodoxia, ou seja, um cristão não deixa de ser mais piedoso ou menos piedoso se divergirem nesse assunto.

Logo o nosso objeto é promover a reflexão teologica sobre esse assunto tão discutido nos centros academicos, mas tão pouco explorado nas nossas igrejas.

Que Deus em Cristo abeçoe a todos.



por Daniel Novaes.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010


Na última postagem, falei sobre alguns aspectos do princípio da solidariedade. Dentro deste, comentei sobre o princípio do perdão, uma característica do cristianismo que, embora lindo de se ler e ensinar, sua prática requer renúncia de alguns direitos. Temos o direito de receber retratação pela ofensa sofrida, mas Jesus nos põe em tal situação que somos impelidos a perdoar mesmo que não tenha partido de nós a ofensa.

Isso é diretamente inverso aos valores materialistas.

Em nós há um senso de justiça que insiste em cobrar a justa recompensa pelos atos cometidos por terceiros.
Queremos que a moça favelada sorteada no programa de auditório para participar de uma competição onde o prêmio pode (teoricamente) mudar sua vida, vença e seja feliz, porque nos identificamos com sua luta, sua dor, sua insistência em não desistir.

Queremos que aquele homem, aposentado federal, pai de dois filhos que agora estudam no exterior, esposo de uma mulher muito bonita e também bem sucedida, e que foi preso por aliciar meninas de dez, onze anos, para orgias com pedófilos e pessoas com distúrbios sexuais, seja preso... Melhor, seja executado. Ele não merece perdão. Não é digno de misericórdia.

Nosso senso de justiça, embora deturpado, nos incita a não aceitar a transgressão voluntária. Todavia, embora os conceitos não sejam excludentes, antes se completem, tendemos a separar misericórdia de justiça. Para o criminoso e aquele que feriu nosso senso moral de sociedade, exigimos justiça. Mas, se a transgressão partiu de nós ou de um dos nossos queridos, lembramos imediatamente que existe a misericórdia.

Pensando nisto, quero refletir juntamente com vocês sobre outra característica da solidariedade cristã:


“Assim diz o Senhor dos Exércitos; Executai justiça verdadeira, mostrai bondade e misericórdia cada um a seu irmão. Não oprimais a viúva, nem o órfão, nem o estrangeiro, nem o pobre, nem intente o mal cada um contra o seu irmão no seu coração.” 1


“Sede misericordiosos, assim como o vosso Pai é misericordioso.”

Segundo o Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento (DITNT)3 , no Antigo Testamento, a palavra mais comum para misericórdia é hesed4 , que traz o sentido de “comportamento correto segundo a aliança”. Ou seja, traduz o sentimento hebraico comum no A.T. de que todos são beneficiados pela misericórdia comum de Iavé para com seu povo, fazendo uma aliança com estes. Um pacto.


As alianças podiam ser feitas entre partes iguais ou entre um mais forte e um mais fraco. No caso da aliança Abraãmica, Deus assume toda a responsabilidade pelo cumprimento do “contrato” entre Ele e a Abraão, como fica claro no ritual pactual de Gênesis 15.17. Neste ritual, duas partes estabeleciam os critérios do contrato e então partiam um bezerro ao meio, logo, ambas passeavam entre as partes e repetiam a frase: 

“Assim se faça àquele que quebrar o pacto”. Há, porém, uma linha de estudo que propõe que este tipo de aliança era feita entre um Rei e um e seus regentes vassalos. A parte inferior (no caso, os vassalos) passavam entre os animais repetindo uma frase que podia dizer mais ou menos assim: “Assim será feito a este teu servo se não se submeter a tua autoridade”.

De qualquer forma, Deus vai contra todo critério estabelecido, pois, sendo Ele (logicamente) a parte mais forte, o SENHOR, deveria fazer com que Abraão passasse por entre as partes e jurasse fidelidade. Não. Não seria assim. O fluir da história culminando na revelação do Redentor não ficaria dependente de um homem falho, pecador, inconstante e mortal. Logo, o Eterno, Soberano, Imutável, assume o papel que só cabe a Ele: Cumprir seus propósitos. A tocha de fogo, representação do altíssimo, passa entre as partes do animal morto e sela a aliança, de forma unilateral.

Deus é extremamente misericordioso com Abraão.

Deus é imensurávelmente misericordioso com a Nação de Israel:

“O SENHOR não tomou prazer em vós, nem vos escolheu, porque a vossa multidão era mais do que a de todos os outros povos, pois vós éreis menos em número do que todos os povos, mas porque o SENHOR vos amava; e, para guardar o juramento que jurara a vossos pais, o SENHOR vos tirou com mão forte e vos resgatou da casa da servidão, da mão de Faraó, rei do Egito. Saberás, pois, que o SENHOR, teu Deus, é Deus, o Deus fiel, que guarda o concerto e a misericórdia até mil gerações aos que o amam e guardam os seus mandamentos; e dá o pago em sua face a qualquer dos que o aborrecem, fazendo-o perecer; não será remisso para quem o aborrece; em sua face lho pagará.”5

Deus continua a ser absolutamente misericordioso para com a humanidade, pois, embora esta caminhe a passos largos para um trágico fim, esquecendo-se de quem os criou e negando-lhe o direito de soberania sobre todos (embora na prática, Deus não dependa da vontade humana para cumprir seus propósitos), Ele ainda sustenta seu plano redentor e usa de misericórdia para com os homens.

Daí então, baseado no princípio da solidariedade, se conclui que, não é possível confessar a fé cristã, sem o exercício da misericórdia. Jesus advertiu seus ouvintes várias vezes lhes lembrando que, assim como Ele usava de misericórdia para com todos, seus discípulos (e aqui não se refere estritamente aos doze apóstolos) o deveriam fazer entre eles e também a qualquer um que lhes procurasse, independentemente de suas motivações para tal.

“Dá a quem te pedir e não te desvies daquele que quiser que lhe emprestes”.6

Não é possível pensar que aqueles que Jesus curou, estavam todos convictos de sua autoridade messiânica. João testifica que Jesus, conhecendo os intentos do homem, não confiava em suas palavras, pois sabia o que estava em seu interior:

“Mas o mesmo Jesus não confiava neles, porque a todos conhecia e não necessitava de que alguém testificasse do homem, porque ele bem sabia o que havia no homem”. 7

E revela as motivações de muitos que o procuravam para receber a cura:

Então, Jesus lhe disse: Se não virdes sinais e milagres, não crereis.8

E daqueles que o seguiam sem o interesse real em sua palavra, mas apenas naquilo que Ele poderia dar:

Jesus respondeu e disse-lhes: Na verdade, na verdade vos digo que me buscais não pelos sinais que vistes, mas porque comestes do pão e vos saciastes.9

Mesmo assim, o Senhor cura os enfermos, dá vista aos cegos, liberta os possessos.

Não cabe a nós julgar o mérito daqueles que precisam. Fazer um levantamento do histórico para ver se o desafortunado merece nossa misericórdia. O que nos cabe é ser misericordiosos.

Em vários momentos distintos, Jesus demonstra uma compaixão profunda pelos perdidos, pelos humilhados, pela multidão que entra em Jerusalém em busca de conforto para a alma e só encontram um bando de exploradores na porta do templo que pesam ainda mais o julgo que está sobre os ombros dos abandonados.

Imagine você irmão/irmã, sendo uma pessoa pobre no primeiro século, vivendo sob condições precaríssimas em termo de saúde (expectativa de vida em torno de 45 anos), vivendo da criação de pequenos rebanhos de ovelhas em uma terra de lugares inóspitos, cujo único alívio das tribulações cotidianas seria ir à Jerusalém, ao Santo Templo. Chagando lá, ser recebido por um Levita que lhe diz que, para oferecer sacrifícios é necessário fazer a troca da moeda romana pelo dinheiro do templo, a uma taxa de juros absurda. Ainda por cima, ter que comprar ali mesmo os animais para a oferta, pelo preço que fosse mais conveniente aos mercadores. Dá para entender então a fúria de Jesus:

“Jesus entrou no pátio do Templo e expulsou todos os que compravam e vendiam naquele lugar. Derrubou as mesas dos que trocavam dinheiro e as cadeiras dos que vendiam pombas. Ele lhes disse:
—Nas Escrituras Sagradas está escrito que Deus disse o seguinte: “A minha casa será chamada de ‘Casa de Oração’.” Mas vocês a transformaram num esconderijo de ladrões!”10

O lugar para onde os cansados a abatidos deveriam recorrer para sentir alívio de suas dores e desilusões, se tornara mais um posto de exploração e humilhação.

Penso que o motivo pelo qual tão poucas pessoas exercitam a misericórdia, se deve não só ao fato de que entre os necessitados, estão muitos descarados, que se infiltram entre aqueles que estão em busca de socorro, para se aproveitarem da boa fé de alguns. Mas, também, pelo fato de que o pobre, mendigo, morador de rua, viciado, etc. Fazem parte da paisagem urbana. É isso mesmo! Se pedir a alguém para descrever a vista que tem janela em alguns lugares do país, é provável que uns declarem:

- Da minha janela vejo a rua que passa logo em frente, muitas casas e apartamentos. O trânsito está intenso. Há um grupo de viciados na esquina, e uma pessoa deitada embaixo da marquise da padaria, toda enrolada de forma que não é possível saber se é um homem, uma mulher, ou mesmo uma criança. Tem algumas árvores na praça, onde os passarinhos fazem ninhos e amanhecem cantando a toda voz.

Todos os dias tropeçamos em viciados jogados no chão, velhos enrolados em cobertores surrados sentados em um canto da rua. Todos os dias assistimos os noticiários e vemos crianças em condições subumanas morando de frente para condomínios de alto luxo. Criticamos o governo por não criar programas que atinjam estas faixas sociais. Todos os dias nos comovemos com histórias trágicas, até o momento que desligamos o televisor, e, junto com ele, a consciência.

Agente até pode defender e pregar a misericórdia, mas, sinceramente, não somos misericordiosos. Há muitas exceções, concordo. Mas, exceções não são regras, e Jesus deixa claro que a misericórdia é regra para vida cristã.

No clássico “Em seus passos, que faria Jesus”11  Sheldon conta a história de uma igreja que era por demais tradicional, freqüentada pela alta sociedade da época, dirigida por um pastor que estava imerso na preocupação por preparar um sermão refinado, dentro das regras homiléticas e hermenêuticas, que agradasse ao seu público do Domingo pela manhã. Neste bendito dia, enquanto ele faz sua prédica, entra um mendigo e vai até a frente. Volta-se para a igreja e começa a declarar como foi tratado durante aquela semana pelos fiéis. Ninguém o atendeu. Ninguém o ouviu. Ele era um espectro passeando em meio aquela cidade. Mesmo o pastor, ao invés de lhe receber, preferiu o dispensar pois precisava voltar logo ao raciocínio e concluir seu grande sermão dominical.

Estamos priorizando o secundários, e adiando as prioridades.

Falamos de avivamento. Mas esquecemos que, em todos os tempos, em todos os lugares, os avivamentos aconteceram quando alguém percebeu que a igreja era mais que quatro paredes.

O avivamento veio quando Moody tirou crianças das ruas e os levou a prender sobre Cristo, os assentando (a um custo alto) nas primeiras fileiras da igreja.

O avivamento veio quando George Muller, não se conformando com a insensibilidade das igrejas de seu tempo, construiu orfanatos para mais de sete mil crianças órfãs, lhes ensinando valores cristãos.

O avivamento veio quando Guilherme Carey implantou escolas superiores na Índia, promovendo a educação e a mudança cultural naquele país, mesmo contra a vontade da coroa inglesa.

Se queremos um avivamento, precisamos voltar a priorizar as pessoas e esquecer um pouco esta corrida louca pela fama e sucesso.

A misericórdia é uma característica do cristianismo puro e simples, que verdadeiramente transforma tudo que entra em contato com ele.

Sejamos pois misericordiosos, como o é nosso Pai que está nos céus, que faz que o sol nasça sobre bons e maus, e a chuva desça sobre justos e ímpios.

Continua...


1- Ez. 7.9-10
2- Lc. 6.36
3- COENEN, L.; BROWN, C. Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, v. 1. São Paulo: Vida Nova, 2000.
4- Iden. Verbete Misericórdia. Pg. 1295.
5- Dt. 7.7-10.
6- Mt. 5.42
7- Jo. 2.24-25.
8- Jo. 4.48
9- Jo. 6.26
10- Mt. 21.12,13 (versão NTLH)
11- SHELDON, C. H. Em seus passos que faria Jesus, 1ª edição. São Paulo: Editora Cristã Unida, 1997.



domingo, 1 de agosto de 2010


“E ele morreu por todos, para que os que vivem não vivam mais para si, mas para aquele que por eles morreu e ressuscitou.” II Co. 5.15

Ninguém pode negar que este nosso tempo é de muitas inquietações. Vivemos um verdadeiro tempo de questionamentos e convulsões sociais. A cada dia os padrões são postos à prova e espera-se que estes caiam para dar lugar a um novo, baseado nas novas tendências sociais de convivência e liberdade.

A cada dia um termo, uma lei, uma regra, caem para dar lugar ao novo. A cada instante, na mesma velocidade das conexões de telecomunicação, o novo se apresenta e pede espaço. E o espaço que ele pede, exige a retirada de algo que já estava ali. Então, como alguém que renova o guardarroupas, tira-se tudo que estava guardado e acomodado (mesmo ainda podendo ter utilidade) e substitui-se por aquilo que é a nova tendência.

Nas instituições ou empresas isto é chamado de atualização. A atualização visa colocar a entidade/empresa em condições de concorrência. Visa dar a esta, uma roupagem que a identifique com seu tempo. Seja redesenhando sua logo, seja fazendo fusões com empresas antes concorrentes, seja inaugurando um serviço pioneiro.

E o que isso tudo me diz com respeito à vida cristã e seus princípios?

Diante da velocidade das atualizações e renovações, o cristianismo tem sido desafiado a também entrar na onda, buscar uma nova roupagem, dar ares mais frescos ao velho discurso doutrinário ou, como determinam as novas tendências, fazer um upgrade. O cristianismo é desafiado todos os dias a dar respostas às questões da vida, mas os que perguntam esperam que esta seja politicamente correta, sociável, enfim, sem absolutismos.

Em momentos assim, faz-se necessário voltar e rever o antigo caminho percorrido.

Sempre gostei de desenhar, mas nunca tive um talento nato como meus amigos. Há algum tempo comecei a estudar CorelDraw e passei a fazer no computador aquilo que meu talento manual não alcançava. Depois me empolguei com o Photoshop. Ali eu podia fazer coisas como aquelas que via nas revistas e televisão. Mas, a coisa mais importante que aprendi estudando estas duas ferramentas é que, não importa o estágio do trabalho em que você se encontre, tenha a coragem de admitir que não está bom e volte ao começo. Isto implica, às vezes, renunciar dias de trabalho. Já joguei fora cartazes que, os outros diziam estarem ótimos, mas que não representavam o que eu queria mostrar.

Não sei quanto a você, mas eu não estou muito satisfeito com o evangelho que está sendo mostrado pela mídia. Que ocupa os púlpitos de grandes e pequenas igrejas. Que povoa as canções de adoração profética, pipocando aqui e ali. Perdoem-me os adeptos destas linhas de pensamento, mas vejo estas cada vez mais longe das raízes do evangelho pregado por Jesus e cultivado com sangue pelos Apóstolos.

Por isso proponho uma reflexão sobre os PRINCÍPIOS DA VIDA CRISTÃ. Não vou enumerá-los, visto que não pretendo encerrar o assunto e admito que, lendo esta série de estudos, você discorde da disposição em que aparecem ou mesmo da inclusão em uma ou outra categoria que aqui eu monto. De qualquer forma, espero sinceramente apenas provocá-lo a uma reflexão sincera sobre as características, ou marcas, ou identificações de uma vida cristã.

Também não usarei a sentença “VIDA CRISTÃ AUTÊNTICA” por entender que não há vida cristã APÓCRIFA. Discursos e máscaras podem até fazer parte de um bom espetáculo teatral, mas nos bastidores, quando a maquiagem é retirada e o roteiro abandonado, aparecem as pessoas de verdade. Vida Cristã fala de verdade e não de teatro. Embora alguém possa falar e representar o que na verdade não é, não pode viver outra vida. Cedo ou tarde terá de ser ela mesma. A vida cristã se revela neste momento. Não existe opções diante do evangelho. Ou se está vivo (e se vive para Cristo e por Cristo) ou está morto com o restante do mundo.

Então, gostaria de passar a refletir sobre os princípios que identifico em uma vida cristã. Convido você a refletir comigo em cada um deles.

Seja o Senhor engrandecido em sua vida.








“E eu dei-lhes a glória que a mim me destes, para que sejam um, como nós somos um. Eu neles, e tu em mim, para que eles sejam perfeitos em unidade, e para que o mundo conheça que tu me enviaste a mim e que tens amado a eles como me tens amado a mim.” Jo. 17.21,22

Diante das tragédias, nos habituamos a ver a comoção social e a disposição de muitas pessoas em fazer alguma coisa para socorrer desabrigados, buscar desaparecidos ou simplesmente ascender uma vela diante da casa de um injustiçado. As pessoas vivem suas vidas o mais privadamente possível, mas, diante da dor, lembram-se que são iguais.

Isso não ocorre ao acaso. Todos nós recebemos a vida da mesma fonte:

“Assim diz Deus, o Senhor, que criou os céus, e os estendeu, e formou a terra e a tudo o que produz, que dá a respiração ao povo que nela está, e vida aos que nela andam.”1

E somos sustentados vivos de igual maneira:

“Pois nele vivemos, e nos movemos, e existimos. Como também alguns dos vossos poetas disseram: Somos sua geração.” 

Também fomos condenados pelos pecados com a mesma sentença:

“Pelo que, como por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, por isso que todos pecaram.”2

E como disse um poeta nordestino: “A morte iguala a todos os homens”. Por isso, todos morrem, sem diferença:

“Porque nunca haverá mais lembrança do sábio do que do tolo; porquanto de tudo nos dias futuros, total esquecimento haverá. E como morre o sábio, assim morre o tolo!”3

Deus nivela todos os homens debaixo do pecado, e lhes dá gratuita e igualmente a redenção, de forma que assim como os homens são nivelados debaixo do pecado, e são feitos iguais neste ponto, também a salvação é dada sem distinção, no que ninguém pode argumentar que um é salvo por merecimento e outro por misericórdia:

“Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isso não vem de vós; é dom de Deus.
Não vem das obras, para que ninguém se glorie.” 4

Sendo assim, espera-se que aqueles que vivem sob a mesma situação, ajam altruisticamente, ajudando, colaborando uns com os outros. Naquilo que a palavra solidariedade traz de significação, dependendo uns dos outros.

Não é possível vivermos isolados, um poeta inglês escreveu que nenhum homem é uma ilha e, de fato, somos seres sociáveis e não conseguimos viver de forma diferente.

Estar sozinho às vezes é bom, mas se este estado se prolonga, causa dor e sentimento de rejeição. Precisamos interagir. Sentir o outro. Falar e ouvir outras pessoas. Somos incompletos e nos completamos no outro. Isso não é psicologia nem sociologia contemporânea, é ensino Bíblico.

Logo, o mínimo que se espera de pessoas na mesma situação é solidariedade. Ser solidário é sentir o mesmo que o outro, é alegrar-se com os que se alegram e chorar com os que choram. É ter um mesmo sentimento:

“Completai o meu gozo, para que sintais o mesmo, tendo o mesmo amor, o mesmo ânimo, sentindo uma mesma coisa” 5

Desta exigência Divina da solidariedade, resultam atitudes que caracterizam o cristão. A primeira delas é o PERDÃO.

Como já vimos, Deus perdoou os pecados dos homens embora a ofensa fosse grave e impossível aos transgressores remediá-la. Deus então providencia a redenção dos pecados, e ele mesmo sofre, em lugar dos homens, o castigo pela transgressão. Logo, o que Deus espera dos perdoados? Que se perdoem mutuamente.

Na parábola do credor empedernido, em Mateus 18.23-35, um rei (que representa a posição de Deus julgando o homem) cobra de um de seus servos (um homem que é julgado) aquilo que lhe é devido. Mas, este não como condições de pagá-lo e, depois de ter esta certeza, o rei então perdoa totalmente uma dívida altíssima. Agora, perdoado, este homem sai e se encontra com um homem que lhe deve soma muito inferior à que lhe havia acabado de ser perdoada. Qual era logo a atitude lógica que se esperava deste? Que contasse ao outro quão misericordiosamente lhe havia sido perdoada dívida impossível de ser quitada, e, da mesma forma, anular naquele instante toda a dívida que o homem tinha consigo. Mas não foi esta a sua atitude. Antes, mandou que prendessem o devedor e Dalí só lhe liberaria quando pagasse toda a dívida.

Que homem ruim não! Que coração duro! Mas, espere. Não é exatamente isso que fazemos quando nos negamos a perdoar? Nossa dívida era incomparável, e a ofensa que tínhamos contra Deus, não pode sequer ser comparada com o que nos possam fazer o homem. Mas, muitos de nós insiste em não perdoar.

Para aqueles que não perdoam, fica uma observação. Nossa situação solidária nos diz que, se não estamos em plena paz com os demais, somos impedidos de receber perdão de nossos pecados também:

“Pois se perdoardes aos homens suas ofensas, também vosso Pai celestial vos perdoará a vós. Porém se não perdoardes aos homens as suas ofensas, também vosso Pai celestial não perdoará as vossas”.6

E, como não poderia deixar de ser, a lei moral de Deus vai muito além da falsa moralidade mundana. Nós até podemos nos dispor a perdoar qualquer um que nos procure para tal, mas não é isso que o Senhor espera.

“Portanto, se trouxeres a tua oferta ao altar e aí te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa ali diante do altar a tua oferta, e vai reconciliar-te primeiro com teu irmão, e depois vem, e apresenta a tua oferta.” 7

Diante da ofensa, como o próprio Deus fez, Ele espera que nós tenhamos a atitude de buscar a reconciliação, mesmo sendo nós os ofendidos. Quem não está preparado para isso, não o está para o cristianismo.

Perdoar não é fácil. Concordo. Dói. Mas, depois, gera frutos de alegria para longos tempos. Uma das palavras hebraicas para perdoar é nasa*, tem o sentido de livrar, libertar, como a apalavra grega aphesis que em Lc. 4.18 tem o sentido de “soltar do cativeiro”.  Mas, quem está preso numa relação onde não cabe o perdão? O perdoado ou o perdoador?

Perdoar é permitir que uma ferida seja cicatrizada. Feridas doem, e quanto mais tempo levar para se fechar, maior incomodo causará. Tolstoi um dia resolveu permitir que sua esposa lesse seu diário, inclusive suas aventuras amorosas. Ali ela leu um romance que ele havia mantido ainda em sua adolescência com uma camponesa chamada Axinya. Um tempo depois, ela escreveu em seu diário:

“Ele gosta daquela prostituta camponesa com o forte corpo de fêmea e pernas queimadas de sol, ela o atrai tão poderosamente agora como fazia durante todos aqueles anos passados”8

O detalhe disto é que, quando ela escreve estas palavras, Axinya já uma velha curvada de oitenta anos. O rancor cega. O ódio se faz em prisão para aqueles que o cultivam. A estes, o perdão traz a liberdade que não se pode alcançar na vingança.

Diante de José do Egito estava a oportunidade de vingança que alguns poderiam imaginar que há muito tempo ele esperava. Mas José escolhe perdoar.

Poder-se-ia dizer que ele é um fraco? Eu, porém, digo que é o homem mais forte cuja história conheci. A vingança era fácil e estava à sua mão. Ninguém o repreenderia por mandar matar seus irmãos (sendo ele Governador do Egito) depois de tudo quanto eles tinham feito. Era então a vingança o caminho mais fácil. Ele porém, com dores profundas na alma, liberta-se de toda uma história de perda, rancor, abandono, escravidão. Com o perdão veio a paz. Com a paz se fez um novo povo, de onde saiu o redentor do mundo.

O perdão é, pois, uma das características do cristão que o identifica neste mundo. É uma marca nos que vivem de forma solidária, entendendo no cristianismo não há acepção, nem preferidos. Aqui todos são feitos iguais diante daquele que o único Soberano Senhor: Jesus; Rei dos Reis e Senhor dos Senhores.



1- Isaías 42.5 – Versão de Almeida Edição Contemporânea.
2- Atos 17.28 (idem)
3- Romanos 5.12 (ARC)
4- Eclesiates 2.16 (idem)
5- Efésios 2.8
6- Filipenses 2.2
7- Mateus 6.14-15
8- Mateus 5.23,24
  * Dicionário Internacional de Teologia - Verbete Perdão - Página 1646 - Ed. Vida Nova.