domingo, 22 de janeiro de 2012

Perdão: Se quero ser filho de Deus, preciso aprender a liberá-lo.


 Às vezes entendo porque Paulo disse:

“O homem natural não compreende as coisas do Espírito de Deus, pois lhe parecem loucura, e não pode entende-las, porque elas se discernem espiritualmente”. ICo. 2.14

Certamente, em algum momento de sua vida, você leu algum texto bíblico e imaginou:

-Ah! Mas, isso é só uma teoria, ou uma utopia. É o ideal, não é real ou alcançável.

Pois bem, sinto informar que toda teoria bíblica foi comprovada em campo, na prática. Isso, todavia, não torna as coisas mais fáceis, pelo contrário, saber que é possível viver uma dimensão superior de vida, sem mentiras, desejos carnais, má inclinação, lábios impuros, cria em muitos uma frustração pois não conseguem viver tão elevada norma moral.

Acalme-se, Paulo sofreu isto também e seu consolo veio do próprio Jesus, informando ao desesperado apóstolo que Sua graça lhe era suficiente, pois esta se aperfeiçoava em suas fraquezas. E não só nas dele, mas nas nossas também. Todavia, os conceitos bíblicos continuam muito mais altos que os nossos, e os padrões de santidade e pureza criados por Deus são bem mais altos que nossa curtíssima visão pode enxergar.

Assim, certos conceitos Bíblicos parecem absurdos e nos colocam em uma situação vexatória muitas vezes. Em alguns momentos, as palavras de Jesus, suas doutrinas, nos põem em xeque e então nos vemos constrangidos a negar aquilo que há de mais natural em nós – nossos instintos. Parece realmente ser loucura. Afinal, ninguém ousaria ensinar ao Leão a não mais atacar antílopes. Isso faz parte de seu instinto de sobrevivência.

Os homens também tem alguns instintos que, ou são demasiadamente exercitados, ou são controlados. A auto defesa para preservar sua sobrevivência é um destes. Ela é inata, não dependendo de pré-disposição, apenas dispara em qualquer situação de risco mortal. Mas, há alguns que não deveriam estar em nós. Foram adquiridos na queda, fazem parte hoje de nossa natureza decaída e pervertida. Um deles se mostra muito forte em nossa sociedade desde tempos incalculáveis. A vingança.

Vejamos algumas frases bem conhecidas em nossa sociedade e que revelam este sentimento:
- Aqui se faz, aqui se paga.
- Um dia da caça, outro do caçador.
- A vingança é um prato que se come frio.
- O mundo dá voltas.
- Olho por olho, dente por dente.
- Quem ri por último ri melhor.

Ah! E uma muito querida dos crentes ultimamente:
-Vai sentar na plateia pra me ver no palco.

Eu sei que a lista poderia ser muito maior, mas estas bastam para demonstrar minha ideia aqui.
Gostamos de vingança. Prova disto está no sucesso dos filmes, novelas, e até dos heróis das histórias em quadrinhos. Batmam é conhecido como o cavaleiro da noite, sua ação é motivada pelo sentimento de vingança contra o crime, por ter perdido seu pai num assalto brutal. O personagem do filme O Dólar Furado, não descansa enquanto não mata aqueles que julga serem responsáveis por seus problemas. Nas novelas e filmes, a maioria dos heróis são pessoas injustiçadas que durante boa parte da trama sofre muito e motiva os telespectadores a desejarem um fim bem trágico para seus algozes, o que quase sempre acontece na conclusão do filme. Uma das cenas mais vistas em todos os tempos bateu recordes de audiência no horário nobre da Rede Globo, isso porque transmitiu a surra que a “mocinha” deu na “vilã”. Uma cena de novela que já está quase completando três anos, e mesmo assim, tem quase 200 mil acessos no YouTube. Observe isto: DUZENTAS MIL PESSOAS pararam por pouco mais de cinco minutos para ver uma mulher espancar outra, pelo simples prazer de assistir uma vingança.

É bom que se entenda, uma coisa é justiça outra bem diferente é vingança.

O ódio é um vírus mais resistente que o da AIDS. Infecta um homem ou uma comunidade e é capaz de se perpetuar por gerações, veja, por exemplo, a rixa que se prolonga por milênios entre Judeus e Palestinos, há décadas - como Norte e Sul-Coreanos, ou Indianos e Paquistaneses. Nossa humanidade nasce, cresce, se reproduz e morre respirando o ar viciado da recompensa ao agravo, da vingança. Do ódio.

Então Jesus aparece na palestina, em meio ao ódio que os Judeus nutrem pelos Romanos, Samaritanos e povos Árabes e solta uma bomba na cabeça deles (incluindo seus próprios discípulos):
Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo, e odiarás o teu inimigo.

Eu, porém, vos digo: Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem; para que sejais filhos do vosso Pai que está nos céus; Porque faz que o seu sol se levante sobre maus e bons, e a chuva desça sobre justos e injustos. Pois, se amardes os que vos amam, que galardão tereis? Não fazem os publicanos também o mesmo? E, se saudardes unicamente os vossos irmãos, que fazeis de mais? Não fazem os publicanos também assim? Sede vós pois perfeitos, como é perfeito o vosso Pai que está nos céus. Mateus 5:43-48

De que natureza somos? Esta é a pergunta que me vem à mente quando leio este texto, porque Jesus confronta o que pensamos sobre Deus com o que Deus espera de nós... Como filhos.

Se somos homens naturais, levados por nossas paixões e instintos, obviamente não estamos incluídos entre os nascidos de novo, entre os gerados outra vez, entre os Filhos de Deus, pois estes, não agem mais naturalmente, não seguem seu coração, antes são guiados pelo Espírito de Deus.

Mas, será que o que Jesus está querendo não é demais para pessoas de carne e osso como nós? A questão não é se somos capazes de viver esta dimensão de vida que Deus propõe para nós, mas se queremos vive-la.

Jesus, como homem, perdoa seus algozes na cruz, pedindo ao Pai que não lhes atribua o mal que estão fazendo. Estevão usa as mesmas palavras do seu mestre para se dirigir ao Pai em prol de seus irmãos que agora lhe atiram pedras para o matar. Cristãos russos, após um longo período de mortes, perseguições, separações, torturas e prisões por causa de sua fé, se viram dentro da sede da KGB, em um ato de conciliação, perdoando aqueles que um dia foram a causa de suas perdas, dores e amarguras, simplesmente por amarem a Jesus.

Perdoar não é um ato natural. Dói. É um exercício de esforço colossal para ir na direção contrária aos nossos desejos instintivos de vingança, de dar a merecida paga aos que nos feriram ou ofenderam. E se você acha doloroso perdoar e só o faz, muitas vezes, por ser constrangido pelo Espírito de Deus, saiba que Jesus complica ainda mais as coisas. Não basta perdoar os ofensores, é preciso ser perfeito como o Pai que está no céu, e isso significa ir em busca do ofensor e se reconciliar com ele. Compare os dois textos a seguir:

Ele vos vivificou, estando vós mortos nos vossos delitos e pecados, nos quais outrora andastes, segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe das potestades do ar, do espírito que agora opera nos filhos de desobediência, entre os quais todos nós também antes andávamos nos desejos da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos por natureza filhos da ira, como também os demais.
Mas Deus, sendo rico em misericórdia, pelo seu muito amor com que nos amou, estando nós ainda mortos em nossos delitos, nos vivificou juntamente com Cristo (pela graça sois salvos), e nos ressuscitou juntamente com ele, e com ele nos fez sentar nas regiões celestes em Cristo Jesus, para mostrar nos séculos vindouros a suprema riqueza da sua graça, pela sua bondade para conosco em Cristo Jesus.
Porque pela graça sois salvos, por meio da fé, e isto não vem de vós, é dom de Deus; não vem das obras, para que ninguém se glorie. Ef. 2.1-9.

Ouvistes que foi dito aos antigos: Não matarás; e, Quem matar será réu de juízo.
Eu, porém, vos digo que todo aquele que se encolerizar contra seu irmão, será réu de juízo; e quem disser a seu irmão: Raca, será réu diante do sinédrio; e quem lhe disser: Tolo, será réu do fogo do inferno.
Portanto, se estiveres apresentando a tua oferta no altar, e aí te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa ali diante do altar a tua oferta, e vai conciliar-te primeiro com teu irmão, e depois vem apresentar a tua oferta. Concilia-te depressa com o teu adversário, enquanto estás no caminho com ele; para que não aconteça que o adversário te entregue ao guarda, e sejas lançado na prisão. Em verdade te digo que de maneira nenhuma sairás dali enquanto não pagares o último ceitil. Mt. 5.21-26.


Aos Efésios Paulo ensina que fomos reconciliados com Deus, e isto aconteceu quando Ele, sendo ofendido, faz a reconciliação no sangue de seu próprio filho quando ainda éramos pecadores, mortos em nossos pecados. O perdão de Deus vem antes da ofensa. Precede o arrependimento. O que então, o Senhor espera de nós?

No Evangelho de Mateus, em seu capítulo 18, Jesus mais uma vez está ensinando sobre o valor do perdão. Pedro, que conhecia a tradição rabínica que propunha a liberação do perdão a um irmão até três vezes, sendo digno de juízo na quarta, parece tentar mostrar que é um pouco mais misericordioso que os rabinos, questionando a Jesus se o perdão a um irmão ofensor deveria ser igual a sete ao dia. A resposta de Jesus constrange até os mais “bonzinhos” de seus seguidores.

-Não sete, mas setenta vezes sete.

Jesus deixa claro para nós que não é uma prova de bondade ou santa misericórdia de nossa parte perdoar o semelhante. Deus perdoou todas as nossas ofensas, e continua a fazê-lo todos os dias. Ninguém perdoa tanto quanto Deus, logo, ninguém tem o direito de reter o perdão, seja a quem for, pelo motivo que for.

Você talvez queira me questionar:

-Tá bom! Você diz estas coisas, mas, será que você vive isso? Você que escreve e ensina, teria coragem de perdoar o estuprador de sua filha, o assassino de sua mãe ou o traficante que transformou seu filho em um dejeto humano?

Sinceramente... Não sei.

Quando escrevo, reflito sobre padrões que, como já disse antes, são muito mais altos que os meus. Mas, se quero ser chamado filho de Deus, terei de me esforçar nesta direção porque é a única que conduz à vida. Independente de minhas inclinações racionais, ser guiado pelo Espírito significa mortificar meus desejos e ter a vida de Cristo em mim.

Não escrevo baseado no que eu acho, ou no que consigo fazer. A verdade é verdade independente de que eu acredite ou não, obedeça ou não, viva conforme ela ou não.

O perdão tem importância tão séria na Bíblia, que dele depende nossa comunhão com Deus. O segundo texto fala de uma pessoa que veio trazer a oferta à igreja mas, ao chegar ao altar, foi lembrado pelo Espírito de Deus que tinha uma coisa errada – um irmão estava ofendido e era preciso uma reconciliação. Aí, o sujeito tem duas opções:

1-    Voltar atrás, se reconciliar com seu irmão e então vir em paz apresentar sua oferta;
2-    Ou, tapar os ouvidos à voz de Deus, insistir no ato de ofertar, e voltar para casa mais pecador do que quando entrou no templo.

Além de não receber minha oferta, o Senhor não ouve minha oração, e provavelmente não ouvirá também a oração do irmão ofensor, a menos que também ele se arrependa e se reconcilie. A mais popular oração da Bíblia, tem uma sentença não tão popular:

- Perdoa nossas ofensas, assim como perdoamos os nossos ofensores.

Ou, em outra versão:
- Perdoa nossas dívidas assim como perdoamos os nossos devedores.

Ninguém tinha maior dívida a perdoar do que o Pai Celestial. Sendo assim, não aceita em sua presença qualquer um que, tendo sido perdoado, não seja capaz de perdoar. Exemplo disto está na história que Jesus conta a respeito do Rei que, tendo um súdito que lhe deve muito, o chama e cobra, ameaçando vender seus filhos caso não recebesse. Mas, o homem, humilha-se diante do Rei a ponto deste lhe perdoar completamente. Mas, o sujeito parece não ter aprendido com o exemplo do Soberano. Ao sair da sala, encontra um homem que lhe deve um valor irrisório se comparado ao montante que ele devia ao Rei. Ao invés de usar da mesma misericórdia da qual desfrutou há poucos instantes, prefere ameaçar, espancar e prender seu companheiro.

Não seja o caso de que nós, tendo sido alvos de tamanha graça e misericórdia, agora não sejamos capazes de perdoar faltas incalculavelmente menores.

Como alguém já disse certa vez, perdoar é libertar um prisioneiro e depois descobrir que o prisioneiro era você.

Perdoe. Não importa o agravo, o caminho mais curto para viver em paz outra vez é liberar o perdão e reconciliar-se.

Para que sejamos filhos de Deus.