Era uma tarde como tantas outras. Dia quente de verão, pessoas andando e falando em todo lugar. Muitas vozes. Em meio ao burburinho cotidiano, um barulho estranho quebra a rotina. Gritos, xingamentos, acusações, choro, pedidos... Tudo ao mesmo tempo. Em meio à multidão um grupo nervoso e violento arrasta uma figura desdenhada pelas ruas, aos berros:
-Prostituta! Vagabunda!
- Vai morrer! Indecente!
- Pecadora!
Aquela coisa sendo arrastada é uma mulher (ou o que sobrou de uma). Ninguém a defende.
Seus vizinhos estão ali. Calados. Ou pior, acusando. Seus amantes também. E até aqueles que gostariam de ter tido acesso aos seus prazeres, mas não conseguiram por motivos dos mais variados. O Juiz. O Sacerdote. O Levita. O Ancião. Todos queriam ter acesso ao posso de prazer representado por aquela mulher. Se Judá procurou uma mulher como aquela, que dirá sua descendência.
Por pura inveja os “Juízes de Israel”, os homens da sociedade, aqueles que representavam a ordem e os antigos e insubstituíveis preceitos de honra da sociedade judaica, convenceram os demais a arrastar a mulher até Jesus. Não. Eles não queriam uma opinião de alguém a quem julgassem digno de tal. Eles queriam coloca-lo em maus lençóis. Pôr o Mestre em uma situação que só tinha desvantagem para si.
Mas, não quero aqui contar a história mais que repetida nos cultos, pregações, estudos, músicas. Não quero falar da pecadora condenada que encontrou em Jesus sua dupla salvação: a vida imediata e a vida eterna. Gostaria de falar sobre os outros, e depois, sobre o outro.
Os outros a que me refiro são aqueles que estão ao nosso redor. Todos os outros. Paulo, repetindo Isaías diz:
- Porque todos pecaram, e destituídos estão da glória de Deus (Rm 3.23).
Todos pecaram. Não há justos. Somos JUSTIFICADOS pela graça de Deus através de Jesus. Qual é a diferença? Ser justo é mérito próprio. Ser justificado é dependência do sacrifício de Cristo.
Todos são diferentes. Não há duas pessoas idênticas no mundo. Em nenhum tempo, jamais, houve duas pessoas idênticas. Duas córneas não são iguais. Duas digitais também não. DNA então, nunca. Mas tem uma coisa que iguala, nivela todos: O pecado. Não adianta sacrifícios, novenas, peregrinações, esmolas, orações, jejuns, correntes, campanhas. Nada apaga o pecado. Nada nos torna justos. A justificação é ação puramente Divina.
Então, o que pensavam aqueles que em meio à multidão acusavam a mulher e carregavam pedras a fim de lhe executar, dando por certo sua condenação? Eram santos? Eram bons? Eram puros? Eu sou? Você é?
Então, diante do fato de que todos somos igualmente pecadores, devemos aceitar naturalmente todo desvio de conduta ou toda atitude desordenada, certo? Errado. Não estou defendendo o pecado, estou tentando mostrar que em um julgamento entre homens, não há superiores. Ser cristão não é estar acima de todos, é estar no meio sem ser igual.
A mulher adultera tinha seu pecado exposto, mas, no meio daquela multidão, haviam muitos pecadores disfarçados. Seus disfarces caíram diante da pedrada que receberam antes de desferir as suas:
- Quem não tiver pecado, atire a primeira pedra.
Jesus não disse: Ela só será apedrejada se todos estiverem em perfeição. Não. Bastava um. Um só sem pecado. Era uma multidão! Quantos podiam estar ali? 100, 200 pessoas? Ninguém sabe. O que sabemos é que absolutamente todos foram derrubados por uma pedrada certeira de Jesus.
O Senhor disse: Ide e aprendei o que significa: Misericórdia quero e não sacrifício (Mt 9.13a).
Amado, o outro é igual a você. O outro peca como você. O outro chora como você. O outro carece da Graça de Deus tanto quanto você.
Então, guarde a pedra para uma coisa mais importante. Use-a em algo mais edificante. Talvez sua pedra caiba certinho naquele buraco da sua casa. Talvez a pedra sirva bem para decorar um jardim. Mas, certamente, não serve para matar o outro. Não adianta. O pecado não morre com pedradas. Se assim fosse, seria necessária uma saraiva mundial, a fim de matar toda a alma vivente.
Tiremos como exemplo o Dilúvio. A Bíblia diz que Deus enviou o Dilúvio sobre a terra para que fosse extinta toda a alma vivente. Todos morreram. Todos menos uma família separada. Noé era homem justo e temente a Deus, e foi separado para dar um reinício à humanidade a partir de uma semente santa. Teoricamente, os dessedentes de Noé eram puros e santos, mas a prática mostrou outra realidade. O pecado não estava nos ímpios que morreram sob as águas, é um câncer arraigado na natureza humana. Toda natureza humana. Todos os humanos.
Olhe para o outro e entenda, ele foi alvo do maior sacrifício já feito na história da humanidade. Ele é alvo da misericórdia de Deus, e deveria ser também da sua. Não repita o exemplo do servo que, depois de ter um alta dívida perdoada, não admitiu que seu companheiro não lhe pagasse um valor irrisório (Mt. 23-35).
Vamos nos aliar para vencer o único mal verdadeiro, que não é o outro, mas o pecado que está tanto nele e em mim, como também em você.
“Porque a carne cobiça contra o Espírito, e o Espírito contra a carne; e estes opõem-se um ao outro; para que não façais o que quereis. Mas, se sois guiados pelo Espírito, não estais debaixo da lei.” Gl 5.17-18.
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