quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Ser Cristão

Não consigo dormir. Acabo de sair de um internamento de dois dias e esperava ansioso por uma boa noite de sono sem as enfermeiras me acordando para a medicação, ou com o levantar e deitar do colega de quarto. Mas, por incrível que pareça, agora que estou ao lado de minha esposa, no conforto de minha cama... Não consigo dormir.

Minha insônia se deve à enxurrada de pensamentos, idéias, ponderações e conclusões que me vem à mente. Sou assaltado por questões que a todo instante me interpelam e exigem de mim uma resposta racional ou ao menos uma alternativa possível. Faço ligações, lucubrações, recorro a meus arquivos interiores. Por fim, desisto de dormir e me entrego ao pensamento.

Nesta noite, o motivo de minha insônia é a distância que vejo entre o ideal e o real. Entre o sonho e o que está posto. Entre o evangelho e a religião.

Conheço um cara há pouco mais de dez anos, e sou seu amigo há uns oito. Desde o início lhe achei um tanto estranho, por sempre falar de coisas que faria e que, para mim, a princípio, eram utópicas. Quando Netto me disse pela primeira vez que queria gravar um álbum totalmente voltado aos projetos missionários,e que faria isto com a doação de pessoas das igrejas, fui fortemente tentado a lhe dizer: “Pára com isso cara, não vê que isso não vai dar certo!” Mas não disse. E para surpresa de todos (ou de muita gente), ele não só gravou o CD, como o fez com qualidade muito superior a tudo que já havia sido realizado na região. E como todo idealista, esse trabalho foi apenas o acender do pavio, o grande BUM estaria ainda por vir.

Conhecendo tantas pessoas como só é possível para aqueles que estão nos lugares certos todos os dias, reuniu em torno deste ideal um grupo que pensa como ele. Lançou então o próximo desafio: Gravar um CD no melhor teatro da cidade com uma produção impecável, contando com excelentes músicos e, o mais difícil, reunindo jovens de todas as igrejas evangélicas em um só grupo para formar o Coral Sublime Tarefa. Mais uma vez utópico. Mais uma vez alcançado. O lançamento do trabalho foi em praça pública, no centro da cidade, diante dos olhos daqueles que acreditaram no propósito e ajudaram a torná-lo possível, mas também daqueles que, incrédulos, assistiram um espetáculo de união e dedicação na conquista de um propósito mais abrangente que o próprio umbigo.

Agora alça vôos mais altos, com um propósito ainda maior. Vender todos os CD’s gravados (e mais alguns) para aplicar na construção de um centro de acolhimento, treinamento, educação e socialização de crianças e adolescentes sócio-vulneráveis. Mas, na verdade, tudo começou com este sonho. Tudo começou na inspiração da biografia do missionário George Muller.

É difícil resumir a obra notável deste missionário que viveu entre os anos de 1805 e 1898. Com uma fé constrangedora para alguns de nós, ele simplesmente construiu cinco casas para abrigar duas mil crianças sem jamais pedir um centavo a quem quer que fosse. Todo recurso, desde o pão diário, aos funcionários para cuidar das crianças eram frutos de uma vida de oração e entrega pessoal a Cristo.

Pensado nestes dois exemplos surgem turbilhões de questões em mim. Vem à memória as lutas internas pelas quais passava cada vez que me deparava com um texto Bíblico que exigia uma renúncia, uma mudança, um desvio brusco de direção. Sentia-me impelido a tomar decisões que, a meu ver, eram por demais difíceis, porém sempre geravam prazer e alegria tal qual nunca antes havia experimentado.

Eu me recuso a acreditar que isto que vejo exposto todos os dias é cristianismo. Tem que ser mais que isso!

Ser cristão tem que ser mais que fazer parte de um grupo que se reúne periodicamente em um templo, cantam hinos, lêem um texto sagrado, oram e vão para suas casas.

Ser cristão tem que ser mais que assistir DVD’s de cantores e pregadores que apelam para cada um dos poros, afim de mexer com os sentimentos e, desta forma, arrecadar mais seguidores ou clientes.

Ser cristão precisa ser mais que usar roupas bonitas no domingo, falar um dialeto próprio, comprar literatura direcionada, ouvir música de comunidades e convidar os amigos para um evento à noite.

Ser cristão precisa ser mais que pastorear a conta corrente, ensinar com artifícios, servir com interesses, usar os dons em busca da fama.

Não vejo cristianismo nas escalas de poder que emprestam os termos Bíblicos para criar uma hierarquia de santidade e grau de intimidade com o Todo Poderoso.

Li errado ou está escrito que aquele que quiser ser o maior no Reino dos Céus deve ser servo de todos? Ou que os que quiserem honra dos homens, não terão reconhecimento algum diante de Deus?

E pensar que os valores mais perseguidos pelos cristãos eram a cruz que conduz à vida verdadeira, a perseguição pela defesa da verdade, a morte por não ser condizente e o desprezo por defender a causa do Reino.

Todavia, ainda há aqueles que servem ao Senhor com sinceridade, mas não os procure nos cruzeiros marítimos pelo litoral brasileiro, antes, vá aos guetos, às vielas, procure naqueles lugares onde os sapatos de cromo alemão não pisam. Nos interiores africanos, sertanejos, palestinos, sudaneses.
Há uma causa pela qual o Cristão pode ser chamado assim.

Ser cristão é desejar estar com Cristo, mas resistir ao desejo por amor aos que ainda não o conheceram. Ser Cristão é ter uma causa.

“Quem não tem uma causa pela qual morrer, não tem motivo para viver” (Martin Luther King Jr)

Um comentário:

  1. Olá amigo Davi,

    Parabéns pelo excelente texto.

    Gostei muito.É claro e reflexivo.

    "Ser cristão é ter uma causa".

    É amar a Deus sobre todas as maneiras, porque Deus nos Ama incondicionalente e nos dá:
    um amor verdadeiro
    um amor compassivo
    um amor que restaura
    um amor que purifica
    um amor que reconcilia
    um amor que perdoa
    um amor que liberta
    um amor que redime
    um amor que compreende
    um amor que confia
    um amor que serve
    um amor imutável.

    Carinhoso e fraterno abraço,
    Lilian

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