quarta-feira, 11 de julho de 2012

Montes e Vales. A geografia da fé.


Costuma-se dizer que a vida é cheia de altos e baixos. Um dia você está bem, todos de sua família gozam de plena saúde e prosperidade, seus amigos estão perto e são fiéis, seu trabalho é rentoso, sua vida parece estar no eixo, girando firme e constante. O céu parece tão perto e real!

Em outro momento, porém, as coisas simplesmente desandam. A terra balança debaixo de seus pés, a desestabilidade atinge os principais setores de sua vida: família, trabalho e saúde. Os problemas familiares geram problemas de saúde que geram problemas financeiros (despesas com medicamentos, exames caros, consultas com especialistas...). A solidão é desesperadora. Essa montanha russa não é privilégio de uns, é condição comum a todos.

Mas, poderíamos dizer que isso é reflexo da vida espiritual? Que aqueles que estão em Cristo não sofrem estas oscilações nem estão sujeitos às intemperes?

Ah! Como é bom estar no monte. Estar no monte é estar pleno, alegre, satisfeito, feliz.

Monte projeta a ideia de altura, visão privilegiada, segurança, pureza, adoração.

Nos tempos antigos, as cidades eram construídas em forma de castelos muito fortificados e quase sempre em montes ou montanhas altas. Apesar de serem vistas facilmente, tinham também total visão daqueles que se aproximavam. Muitos templos foram construídos sobre altos montes, na tentativa de estar bem perto das divindades. Ainda hoje é possível conhecer as ruínas dos templos gregos construídos sobre altos montes, ou monastérios budistas construídos em locais muito altos e de difícil acesso. Na antiguidade, tanto os patriarcas como os profetas e todos os povos (servos do Deus vivo ou não), criam que ao subir os mais altos montes, estavam chegando mais perto de Deus. O próprio Deus, ao se revelar aos homens, passou a falar-lhes, em várias ocasiões, nos altos dos montes (Gn. 22.2; Ex. 3.1-4; 19.3,24; 24.1; 34.29; Dt. 34.1). Todavia, nem sempre estar no monte é sinônimo de presença de Deus. Os profetas advertem que, em Israel passou-se a utilizar o costume pagão de plantar bosques nos altos dos montes e lá oferecer sacrifícios aos deuses estranhos (I Rs. 22.44; II Rs. 23.1-14).

Estar no monte é bom, pois lá nos sentimos mais perto Deus. Mas, será que realmente estamos mais perto do Senhor quando estamos no Monte? Nem sempre.

Nos evangelhos sinóticos está a narração da transfiguração de Jesus. Lucas conta que Jesus chamou Pedro, Tiago e João em particular para subirem com ele à um alto monte para ali passarem a noite em oração. Mas, pelo que o evangelista conta, só Jesus estava orando (9.29) enquanto os demais dormiam (9.32). Estavam no monte, na companhia de Jesus, testemunhando uma aparição única em toda a Bíblia (Moisés e Elias), envoltos em uma nuvem celestial e ouvindo, de forma altissonante, a voz de Deus Pai, mas não se deram conta do que estava realmente acontecendo. Dormiam. E como aqueles que dormem, que sofrem de sonolência constante, ou que já estão esgotados, ao despertarem não entendem nada do que está acontecendo.

Estar em destaque é prazeroso. Estar nos altos é sempre confortável. Mas, algumas vezes, precisamos ser levados ao vale, e lá aprender alguma coisa. É interessante observar que, apesar de todas as benesses de se estar no monte, as coisas mais essenciais só são encontradas em abundância nos vales. Os discípulos queriam ficar no monte, mas Jesus os desperta do êxtase, e os traz de volta para baixo. Para os vales. 

Os vales não são tão atraentes porque nos tornam vulneráveis. Os antigos exércitos tinham como uma das principais estratégias fazer emboscadas em vales. Lá não há muitos caminhos, muitas saídas. Ficamos vulneráveis porque quase não é possível ver o que nos cerca, enquanto que podemos ser facilmente avistados. Estar no vale é estar indefeso.

Não gostamos de passar por situações difíceis. Não queremos adoecer. Não nos sentimos em paz desempregados, devendo, sozinhos, rejeitados, em meio à brigas, desavenças, ameaças. Não há quem ache prazer nestas coisas. Não há quem se declare feliz em tais situações. A maioria das pessoas só admite passar por tais momentos, porque entendem que eles são só momentos. Mas quando isso se prolonga, a fé é minada.

Mas, então, porque descer ao vale? O que tem lá? Será que tudo ali é desolação?

Não. De forma alguma.

No vale é onde mais se encontra vida. Nos terrenos mais baixos é onde estão as terras mais férteis e as maiores concentrações de água. Mesmo nos lugares mais secos, é possível cavar em terrenos baixos e encontrar água potável. No vale tem água. No vale tem Alimento.

A alegria, representada pelo “estar no monte”, é uma boa professora. Mas a dor do vale é Phd. Peça a alguém para se lembrar de um dia feliz de sua vida. Certamente ela pensará um pouco e trará alguns, mas sem muitas emoções. Mas, peça à mesma pessoa para lhe dizer qual foi o dia mais triste de sua vida. Ela engolirá seco e mudará a fisionomia ao se lembrar daquilo que lhe causou tal trauma. O dia alegre se apaga com outros iguais ou melhores, mas o dia da dor, nunca é apagado. Apenas administrado.

Não rejeite o vale. Lá tem coisas necessárias ao seu bom crescimento. Lá Deus também fala e se revela (Gn. 32.22-30). Lá sua alma receberá o melhor alimento. Lá você beberá a melhor água. Jó era homem justo e temente a Deus, segundo o próprio Deus. Mas, após o período mais difícil de sua vida ele declara:

- Com o ouvir dos meus ouvidos ouvi, mas agora te veem os meus olhos. (Jó 42.5)

Apesar de ficar vulnerável, jamais estará desamparado. Deus é o mesmo; no monte ou no vale.

“Elevo os meus olhos para os montes: de onde me virá o socorro? O meu socorro vem do Senhor que fez o céu (alto*) e a terra (baixo*).” Sl 121.1

*acréscimo meu.

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