terça-feira, 17 de agosto de 2010

Será que a igreja realmente não passará pela Grande Tribulção?


1Ts. 4.13-18
"Não quero, porém, irmãos, que sejais ignorantes acerca dos que já dormem, para que não vos entristeçais, como os demais, que não têm esperança. Porque, se cremos que Jesus morreu e ressuscitou, assim também aos que em Jesus dormem Deus os tornará a trazer com ele. Dizemo-vos, pois, isto pela palavra do Senhor: que nós, os que ficarmos vivos para a vinda do Senhor, não precederemos os que dormem.
Porque o mesmo Senhor descerá do céu com alarido, e com voz de arcanjo, e com a trombeta de Deus; e os que morreram em Cristo ressuscitarão primeiro; depois, nós, os que ficarmos vivos, seremos arrebatados juntamente com eles nas nuvens, a encontrar o Senhor nos ares, e assim estaremos sempre com o Senhor. Portanto, consolai-vos uns aos outros com estas palavras."
2Ts. 2.1-12
Ora, irmãos, rogamo-vos, pela vinda de nosso Senhor Jesus Cristo e pela nossa reunião com ele, que não vos movais facilmente do vosso entendimento, nem vos perturbeis, quer por espírito, quer por palavra, quer por epístola, como de nós, como se o Dia de Cristo estivesse já perto. Ninguém, de maneira alguma, vos engane, porque não será assim sem que antes venha a apostasia e se manifeste o homem do pecado, o filho da perdição, o qual se opõe e se levanta contra tudo o que se chama Deus ou se adora; de sorte que se assentará, como Deus, no templo de Deus, querendo parecer Deus.
Não vos lembrais de que estas coisas vos dizia quando ainda estava convosco? E, agora, vós sabeis o que o detém, para que a seu próprio tempo seja manifestado. Porque já o mistério da injustiça opera; somente há um que, agora, resiste até que do meio seja tirado; e, então, será revelado o iníquo, a quem o Senhor desfará pelo assopro da sua boca e aniquilará pelo esplendor da sua vinda; a esse cuja vinda é segundo a eficácia de Satanás, com todo o poder, e sinais, e prodígios de mentira, e com todo engano da injustiça para os que perecem, porque não receberam o amor da verdade para se salvarem. E, por isso, Deus lhes enviará a operação do erro, para que creiam a mentira, para que sejam julgados todos os que não creram a verdade; antes, tiveram prazer na iniqüidade.

Segundo o autor Dwight Pentencost, teólogo dispensacionalista, a teoria escatológica dispensacionalista ou pré-tribulacionista defende que a igreja será, “por ressurreição e por transferência, retirada da terra antes de começar qualquer parte da septuagésima semana de Daniel”. (p. 217, 2006).


A teoria dispensacionalista teve seu inicio através do sacerdote irlandês John Nelson Darby (1800-1882). Entre outros ensinamentos Darby argumentava que havia uma radical descontinuidade entre a igreja e Israel, defendendo dessa forma a existência de dois povos distintos pertencentes a Deus, o qual tinha planos diferentes para cada um desses povos. Dwight Pentencost argumenta que:

A igreja e Israel são dois grupos distintos para os quais Deus tem um plano divino. A igreja é um mistério não-revelado no Antigo Testamento. Essa era de mistério presente insere-se no plano de Deus para com Israel por causa da rejeição ao Messias na Sua primeira vinda. Esse plano de mistério deve ser completado antes que Deus possa retornar seu plano com Israel e completá-lo. (2006, 217).

Junto com essa crença de uma separação entre a igreja e Israel, os dispensacionalistas defendem que a igreja será arrebatada antes da septuagésima semana profetizada por Daniel (Dn. 9.24-27), período também conhecido como a “Grande Tribulação”.

Escrevendo sua segunda carta à igreja de Tessalônica, no capítulo 2.1-12, o apóstolo Paulo corrige alguns falsos entendimentos “no que diz respeito à vinda de nosso Senhor Jesus Cristo e à nossa reunião com ele” (v. 1), que estava ocorrendo na igreja macedônica.

O erro que estava circulando naquela igreja era de estar “supondo tenha chegado o Dia do Senhor” (v. 2). O comentarista William Hendriksen, destacado escritor reformado, entende esse erro da seguinte forma:

Essas pessoas em estado de entusiasmo estavam convictas de que ‘o dia do Senhor’ (ou seja, o dia de seu retorno para juízo e dos sinais que imediatamente precederiam sua chegada) já estava presente. Uns poucos dias mais, semanas ou meses, no máximo, e Jesus pessoalmente faria sua aparição nas nuvens do céu. Seu ‘dia’ chegará. (p. 197, 2007).

Os irmãos tessalonicenses haviam compreendido mal o ensinamento de Paulo na sua primeira carta sobre a vinda de Cristo, confundindo a vinda súbita com uma vinda imediata. Com essa interpretação concorda o teólogo I. Howard Marshal, o qual acrescenta: “Deve ser notado que o problema dos leitores não era, portanto, a demora da parusia, mas, sim, sua crença de que estava esmagadoramente iminente.” (p. 220, 2007).

Então, o apóstolo, no verso três, escreve dizendo “Ninguém, de nenhum modo, vos engane, porque isto não acontecerá sem que primeiro venha a apostasia e seja revelado o homem da iniqüidade, o filho da perdição,”. Nesse verso, Paulo claramente está afirmando que “a vinda de Cristo e a nossa reunião com ele” será precedida de dois sinais: a apostasia e a revelação do homem da iniqüidade, o filho da perdição.

O primeiro sinal, apostasia significa “queda, caída, rebelião, revolta.” (LOPES, p. 176, 2008). O teólogo Antony Hoekema argumenta:

Conforme empregada em 2 Tessalonicenses 2.3, a palavra apostasia é precedida por um artigo definido: a apostasia ou a rebelião. Tanto o artigo como a declaração de que esse acontecimento tem de preceder a Parousia indicam que o que aqui é predito é uma apostasia final e culminante, imediatamente anterior ao tempo do fim. (p. 184, 2001).

Todavia, é sobre o segundo sinal, o aparecimento do homem da iniquidade (antropos tes avomias) que manteremos uma atenção especial.

Mas, quem será esse “homem da iniqüidade, o filho da perdição” que o apóstolo claramente afirma que deverá aparecer (apocalipse) no cenário histórico antes que Cristo volte para a igreja possa se reunir com ele?

Segundo William Hendriksen o “antropos tes anomias” é o anticristo escatológico descrito nas epistolas joaninas: “Há também, toda razão para crer-se que o homem da iniqüidade descrito por Paulo é a mesma pessoa mencionada por João como sendo o anticristo.” (p. 200, 2007).

Hendriksen ainda fornece algumas razões que o levam a tal afirmação. Primeiro ele diz que “’O homem da iniquidade’ será revelado imediatamente antes da vinda de Cristo. O anticristo, acerca de quem os leitores têm recebido informações prévias, virá ‘na última hora’ (2Ts. 2.8; 1Jo. 2.18)” (p. 201, 2007); Segundo motivo é “’O mistério da iniquidade’ já está em operação. Mesmo agora ‘há muitos anticristos’ (2Ts. 2.7; 1Jo. 2.18)” (p. 201, 2007). o autor dessa forma argumenta que assim como o apóstolo João, Paulo também identifica que vários anticristos já tem se levantado nos seus dias. O terceiro motivo é descrito com essas palavras: “A vinda de ‘o homem da iniquidade’ é segundo a eficácia de Satanás, com grandes sinais e milagres, todos eles falsos. Semelhantemente, o anticristo é denominado de mentiroso e enganador (2Ts. 2.9; 1Jo. 2.22; 2Jo. 7)” (p. 201, 2007).

O pastor e teólogo presbiteriano, Hernandes Dias Lopes, segue a mesma linha de raciocínio Hendriksen quando argumenta: “Na teologia do apóstolo Paulo, o anticristo é visto como o homem do pecado. (2Ts. 2.3)” (p. 179, 2008).

O teólogo dispensacionalista Stanley M. Horton também identifica o “antropos tes anomias” com o anticristo joanino, quando reveste o anticristo dos atributos do “antropos tes anomias”. Por exemplo, ele diz que o “anticristo ‘se opõe e se levanta contra tudo o que se chama Deus ou se adora’ [...], e o anticristo ‘se assentará, como Deus, no templo de Deus, querendo parecer Deus’ (2Ts. 2.4). (p. 637, 2006). Stanley ainda continua dizendo que a vinda do anticristo será “segundo a eficácia de Satanás, como todo o poder, e sinais, e prodígios de mentira, e com todo engano da injustiça para os que perecem” (2Ts. 2.9,10).

Logo, mostra-se bastante evidente que “o homem da iniqüidade” na teologia paulina é a mesma pessoa do “anticristo” na teologia joanina. (cf. Daniel 7.19-27; Apocalipse 13.1-8).

Mas, em que momento da história o “anticristo” figurará?

De acordo com o teólogo Stanley M. Horton o “anticristo” exercerá seu ministério sombrio durante a chamada “grande tribulação”. Ele argumenta que o anticristo “conseguirá o controle econômico e se tornará ditador do mundo inteiro. [...]. E depois, no fim da grande tribulação, comandará os exércitos de muitas nações arregimentados por Satanás, em Armagedom.” (p. 637, 2006).

Outro autor dispensacionalista que afirma que o “anticristo” estará em ação durante a “grande tribulação” é o teólogo J. Dwight Pentecost quando descrevendo algumas características do período da “grande tribulação” afirma que “As Escrituras falam muito sobre o individuo que aparecerá no fim dos tempos [...].” (p. 349, 2006). Ainda segundo Pentecost, agora citando o teólogo dispensacionalista Artur W. Pink, esse indivíduo escatológico, que aparecerá durante a “grande tribulação”, nas Escrituras recebe o nome de “o homem da iniqüidade (2Ts. 2.3), o filho da perdição (2Ts. 2.3), o iníquo (2Ts. 2.8), o anticristo (1Jo. 2.22), [...]. (p. 350, 2006), entre outros.

Todavia, se como concluímos acima, o “antropos tes anomias” ou “o homem da iniqüidade” citado por Paulo é o perverso “anticristo” retratado nas epístolas joaninas, e se esse “antropos tes anomias” realizará seus planos perversos no período chamado de “grande tribulação”, logo, no entender desse autor, a teologia dispensacionalista perde muito da sua força e coerência pelas seguintes razões:

(i) Como citamos acima o erro que estava circulando na igreja de Tessalônica era que a vinda de Cristo seria imediata, ou seja, a qualquer instante, cerca de poucos dias ou meses, Jesus voltaria para reunir a sua igreja junto a Ele. Contudo, o apóstolo afirma no verso 3: “Ninguém, de nenhum modo, vos engane, porque isto não acontecerá sem que primeiro venha a apostasia e seja revelado o homem da iniqüidade, o filho da perdição,”. O que Paulo quer expressar é que a volta de Cristo e a nossa [da igreja] reunião com Ele se dará após a apostasia e a manifestação do homem da iniqüidade, juntamente com a tribulação que acompanhará sua manifestação. Como bem escreveu o teólogo Anthony Hoekema,

Portanto, qual seria o objetivo da advertência de Paulo se estes crentes fossem removidos da terra antes da tribulação? Uma vez que a igreja, em Tessalônica, era na sua maioria composta por crentes gentios, não se pode dizer que Paulo estivesse aqui descrevendo apenas para cristãos judeus. (p. 200, 2001).

Logo, a teologia pré-tribulacionista removeria da argumentação de Paulo a sua fundamentação, pois a igreja de Tessalônica, e de qualquer outro lugar, não precisaria esperar a manifestação do “homem da iniqüidade”, nem mesmo sua derrota pela vinda de Cristo (2Ts. 2.8) para se reunir com ele.

(ii) Em 2Ts. 2.1, o apóstolo afirma o tema da sua argumentação do capítulo, com as palavras “Irmãos, no que diz respeito à vinda de nosso Senhor Jesus Cristo e à nossa reunião com ele, nós vos exortamos,”. Primeiro vamos analisar o termo “vinda” (parousia) esse termo significa “visita”, “presença”, “vinda” ou “retorno”. De acordo com Hernandes Dias Lopes (p. 104, 2008), citando Wiliam Barclay, diz que o termo parousia descreve a vinda de um rei, de um imperador, de um governador, depois essa palavra começou a significar a visita de um deus. Esse termo é o mesmo utilizado por Paulo em 1Ts. 4.15 “Dizemo-vos, pois, isto, pela palavra do Senhor: que nós, os que ficarmos vivos para a vinda (parousia) do Senhor, não precederemos os que dormem”. Isso serve para mostrar que o evento descrito em 1Ts. 4.13-18, texto muito usado pelos dispensacionalistas para ensinar um arrebatamento pré-tribulancionista, é o mesmo evento de 2Ts. 2.1; nos dois textos Paulo ensina sobre a vinda do Senhor.

Diante do exposto acima, chegamos a conclusão de que a parousia de 1Ts. 4.13-18 é a mesma parousia de 2Ts. 2.1, logo a parousia se dará após a “grande tribulação”e não antes dela. Um outro termo importante a ser analisado é “nossa reunião com ele” (episynagoge). Segundo Anthony Hoekema episynagoge “é a forma substantivada do verbo utilizado para o arrebatamento em Materus 24.31: ‘os quais reunirão (episynago) os seus escolhidos ... de uma a outra extremidade dos céus’.” (p. 200, 2001). Além do mais, em 1Ts. 4.17 está escrito: “Depois nós, os que ficarmos vivos, seremos arrebatados juntamente com eles nas nuvens, a encontrar o Senhor nos ares, e assim estaremos sempre com o Senhor”. Paulo está dizendo que a igreja, na vinda de Cristo, será arrebatada para estar (esometa) para sempre com o Senhor; mas Paulo em 2Ts. 2.1,3 diz que a nossa reunião ou estar (esometa) com o Senhor, só se dará depois da aparição do “homem da iniquidade”, logo a passagem de 1Ts. 4.13-18 que ensina sobre o arrebatamento ensina que esse evento acontecerá após o aparecimento do “anticristo” e sua derrota pela vinda de Cristo.

Diante dos argumentos apresentados, a opinião do autor do presente estudo é de que, no mínimo, os textos de 1Ts. 4.13-18 e 2Ts. 2.1-12 não fundamentam a teologia pré-tribulacionista. Todavia, sempre que tratamos da área teológica da esatologia (o estudo das últimas coisas) devemos ter em mente que esse assunto não é matéria de ortodoxia, ou seja, um cristão não deixa de ser mais piedoso ou menos piedoso se divergirem nesse assunto.

Logo o nosso objeto é promover a reflexão teologica sobre esse assunto tão discutido nos centros academicos, mas tão pouco explorado nas nossas igrejas.

Que Deus em Cristo abeçoe a todos.



por Daniel Novaes.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010


Na última postagem, falei sobre alguns aspectos do princípio da solidariedade. Dentro deste, comentei sobre o princípio do perdão, uma característica do cristianismo que, embora lindo de se ler e ensinar, sua prática requer renúncia de alguns direitos. Temos o direito de receber retratação pela ofensa sofrida, mas Jesus nos põe em tal situação que somos impelidos a perdoar mesmo que não tenha partido de nós a ofensa.

Isso é diretamente inverso aos valores materialistas.

Em nós há um senso de justiça que insiste em cobrar a justa recompensa pelos atos cometidos por terceiros.
Queremos que a moça favelada sorteada no programa de auditório para participar de uma competição onde o prêmio pode (teoricamente) mudar sua vida, vença e seja feliz, porque nos identificamos com sua luta, sua dor, sua insistência em não desistir.

Queremos que aquele homem, aposentado federal, pai de dois filhos que agora estudam no exterior, esposo de uma mulher muito bonita e também bem sucedida, e que foi preso por aliciar meninas de dez, onze anos, para orgias com pedófilos e pessoas com distúrbios sexuais, seja preso... Melhor, seja executado. Ele não merece perdão. Não é digno de misericórdia.

Nosso senso de justiça, embora deturpado, nos incita a não aceitar a transgressão voluntária. Todavia, embora os conceitos não sejam excludentes, antes se completem, tendemos a separar misericórdia de justiça. Para o criminoso e aquele que feriu nosso senso moral de sociedade, exigimos justiça. Mas, se a transgressão partiu de nós ou de um dos nossos queridos, lembramos imediatamente que existe a misericórdia.

Pensando nisto, quero refletir juntamente com vocês sobre outra característica da solidariedade cristã:


“Assim diz o Senhor dos Exércitos; Executai justiça verdadeira, mostrai bondade e misericórdia cada um a seu irmão. Não oprimais a viúva, nem o órfão, nem o estrangeiro, nem o pobre, nem intente o mal cada um contra o seu irmão no seu coração.” 1


“Sede misericordiosos, assim como o vosso Pai é misericordioso.”

Segundo o Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento (DITNT)3 , no Antigo Testamento, a palavra mais comum para misericórdia é hesed4 , que traz o sentido de “comportamento correto segundo a aliança”. Ou seja, traduz o sentimento hebraico comum no A.T. de que todos são beneficiados pela misericórdia comum de Iavé para com seu povo, fazendo uma aliança com estes. Um pacto.


As alianças podiam ser feitas entre partes iguais ou entre um mais forte e um mais fraco. No caso da aliança Abraãmica, Deus assume toda a responsabilidade pelo cumprimento do “contrato” entre Ele e a Abraão, como fica claro no ritual pactual de Gênesis 15.17. Neste ritual, duas partes estabeleciam os critérios do contrato e então partiam um bezerro ao meio, logo, ambas passeavam entre as partes e repetiam a frase: 

“Assim se faça àquele que quebrar o pacto”. Há, porém, uma linha de estudo que propõe que este tipo de aliança era feita entre um Rei e um e seus regentes vassalos. A parte inferior (no caso, os vassalos) passavam entre os animais repetindo uma frase que podia dizer mais ou menos assim: “Assim será feito a este teu servo se não se submeter a tua autoridade”.

De qualquer forma, Deus vai contra todo critério estabelecido, pois, sendo Ele (logicamente) a parte mais forte, o SENHOR, deveria fazer com que Abraão passasse por entre as partes e jurasse fidelidade. Não. Não seria assim. O fluir da história culminando na revelação do Redentor não ficaria dependente de um homem falho, pecador, inconstante e mortal. Logo, o Eterno, Soberano, Imutável, assume o papel que só cabe a Ele: Cumprir seus propósitos. A tocha de fogo, representação do altíssimo, passa entre as partes do animal morto e sela a aliança, de forma unilateral.

Deus é extremamente misericordioso com Abraão.

Deus é imensurávelmente misericordioso com a Nação de Israel:

“O SENHOR não tomou prazer em vós, nem vos escolheu, porque a vossa multidão era mais do que a de todos os outros povos, pois vós éreis menos em número do que todos os povos, mas porque o SENHOR vos amava; e, para guardar o juramento que jurara a vossos pais, o SENHOR vos tirou com mão forte e vos resgatou da casa da servidão, da mão de Faraó, rei do Egito. Saberás, pois, que o SENHOR, teu Deus, é Deus, o Deus fiel, que guarda o concerto e a misericórdia até mil gerações aos que o amam e guardam os seus mandamentos; e dá o pago em sua face a qualquer dos que o aborrecem, fazendo-o perecer; não será remisso para quem o aborrece; em sua face lho pagará.”5

Deus continua a ser absolutamente misericordioso para com a humanidade, pois, embora esta caminhe a passos largos para um trágico fim, esquecendo-se de quem os criou e negando-lhe o direito de soberania sobre todos (embora na prática, Deus não dependa da vontade humana para cumprir seus propósitos), Ele ainda sustenta seu plano redentor e usa de misericórdia para com os homens.

Daí então, baseado no princípio da solidariedade, se conclui que, não é possível confessar a fé cristã, sem o exercício da misericórdia. Jesus advertiu seus ouvintes várias vezes lhes lembrando que, assim como Ele usava de misericórdia para com todos, seus discípulos (e aqui não se refere estritamente aos doze apóstolos) o deveriam fazer entre eles e também a qualquer um que lhes procurasse, independentemente de suas motivações para tal.

“Dá a quem te pedir e não te desvies daquele que quiser que lhe emprestes”.6

Não é possível pensar que aqueles que Jesus curou, estavam todos convictos de sua autoridade messiânica. João testifica que Jesus, conhecendo os intentos do homem, não confiava em suas palavras, pois sabia o que estava em seu interior:

“Mas o mesmo Jesus não confiava neles, porque a todos conhecia e não necessitava de que alguém testificasse do homem, porque ele bem sabia o que havia no homem”. 7

E revela as motivações de muitos que o procuravam para receber a cura:

Então, Jesus lhe disse: Se não virdes sinais e milagres, não crereis.8

E daqueles que o seguiam sem o interesse real em sua palavra, mas apenas naquilo que Ele poderia dar:

Jesus respondeu e disse-lhes: Na verdade, na verdade vos digo que me buscais não pelos sinais que vistes, mas porque comestes do pão e vos saciastes.9

Mesmo assim, o Senhor cura os enfermos, dá vista aos cegos, liberta os possessos.

Não cabe a nós julgar o mérito daqueles que precisam. Fazer um levantamento do histórico para ver se o desafortunado merece nossa misericórdia. O que nos cabe é ser misericordiosos.

Em vários momentos distintos, Jesus demonstra uma compaixão profunda pelos perdidos, pelos humilhados, pela multidão que entra em Jerusalém em busca de conforto para a alma e só encontram um bando de exploradores na porta do templo que pesam ainda mais o julgo que está sobre os ombros dos abandonados.

Imagine você irmão/irmã, sendo uma pessoa pobre no primeiro século, vivendo sob condições precaríssimas em termo de saúde (expectativa de vida em torno de 45 anos), vivendo da criação de pequenos rebanhos de ovelhas em uma terra de lugares inóspitos, cujo único alívio das tribulações cotidianas seria ir à Jerusalém, ao Santo Templo. Chagando lá, ser recebido por um Levita que lhe diz que, para oferecer sacrifícios é necessário fazer a troca da moeda romana pelo dinheiro do templo, a uma taxa de juros absurda. Ainda por cima, ter que comprar ali mesmo os animais para a oferta, pelo preço que fosse mais conveniente aos mercadores. Dá para entender então a fúria de Jesus:

“Jesus entrou no pátio do Templo e expulsou todos os que compravam e vendiam naquele lugar. Derrubou as mesas dos que trocavam dinheiro e as cadeiras dos que vendiam pombas. Ele lhes disse:
—Nas Escrituras Sagradas está escrito que Deus disse o seguinte: “A minha casa será chamada de ‘Casa de Oração’.” Mas vocês a transformaram num esconderijo de ladrões!”10

O lugar para onde os cansados a abatidos deveriam recorrer para sentir alívio de suas dores e desilusões, se tornara mais um posto de exploração e humilhação.

Penso que o motivo pelo qual tão poucas pessoas exercitam a misericórdia, se deve não só ao fato de que entre os necessitados, estão muitos descarados, que se infiltram entre aqueles que estão em busca de socorro, para se aproveitarem da boa fé de alguns. Mas, também, pelo fato de que o pobre, mendigo, morador de rua, viciado, etc. Fazem parte da paisagem urbana. É isso mesmo! Se pedir a alguém para descrever a vista que tem janela em alguns lugares do país, é provável que uns declarem:

- Da minha janela vejo a rua que passa logo em frente, muitas casas e apartamentos. O trânsito está intenso. Há um grupo de viciados na esquina, e uma pessoa deitada embaixo da marquise da padaria, toda enrolada de forma que não é possível saber se é um homem, uma mulher, ou mesmo uma criança. Tem algumas árvores na praça, onde os passarinhos fazem ninhos e amanhecem cantando a toda voz.

Todos os dias tropeçamos em viciados jogados no chão, velhos enrolados em cobertores surrados sentados em um canto da rua. Todos os dias assistimos os noticiários e vemos crianças em condições subumanas morando de frente para condomínios de alto luxo. Criticamos o governo por não criar programas que atinjam estas faixas sociais. Todos os dias nos comovemos com histórias trágicas, até o momento que desligamos o televisor, e, junto com ele, a consciência.

Agente até pode defender e pregar a misericórdia, mas, sinceramente, não somos misericordiosos. Há muitas exceções, concordo. Mas, exceções não são regras, e Jesus deixa claro que a misericórdia é regra para vida cristã.

No clássico “Em seus passos, que faria Jesus”11  Sheldon conta a história de uma igreja que era por demais tradicional, freqüentada pela alta sociedade da época, dirigida por um pastor que estava imerso na preocupação por preparar um sermão refinado, dentro das regras homiléticas e hermenêuticas, que agradasse ao seu público do Domingo pela manhã. Neste bendito dia, enquanto ele faz sua prédica, entra um mendigo e vai até a frente. Volta-se para a igreja e começa a declarar como foi tratado durante aquela semana pelos fiéis. Ninguém o atendeu. Ninguém o ouviu. Ele era um espectro passeando em meio aquela cidade. Mesmo o pastor, ao invés de lhe receber, preferiu o dispensar pois precisava voltar logo ao raciocínio e concluir seu grande sermão dominical.

Estamos priorizando o secundários, e adiando as prioridades.

Falamos de avivamento. Mas esquecemos que, em todos os tempos, em todos os lugares, os avivamentos aconteceram quando alguém percebeu que a igreja era mais que quatro paredes.

O avivamento veio quando Moody tirou crianças das ruas e os levou a prender sobre Cristo, os assentando (a um custo alto) nas primeiras fileiras da igreja.

O avivamento veio quando George Muller, não se conformando com a insensibilidade das igrejas de seu tempo, construiu orfanatos para mais de sete mil crianças órfãs, lhes ensinando valores cristãos.

O avivamento veio quando Guilherme Carey implantou escolas superiores na Índia, promovendo a educação e a mudança cultural naquele país, mesmo contra a vontade da coroa inglesa.

Se queremos um avivamento, precisamos voltar a priorizar as pessoas e esquecer um pouco esta corrida louca pela fama e sucesso.

A misericórdia é uma característica do cristianismo puro e simples, que verdadeiramente transforma tudo que entra em contato com ele.

Sejamos pois misericordiosos, como o é nosso Pai que está nos céus, que faz que o sol nasça sobre bons e maus, e a chuva desça sobre justos e ímpios.

Continua...


1- Ez. 7.9-10
2- Lc. 6.36
3- COENEN, L.; BROWN, C. Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, v. 1. São Paulo: Vida Nova, 2000.
4- Iden. Verbete Misericórdia. Pg. 1295.
5- Dt. 7.7-10.
6- Mt. 5.42
7- Jo. 2.24-25.
8- Jo. 4.48
9- Jo. 6.26
10- Mt. 21.12,13 (versão NTLH)
11- SHELDON, C. H. Em seus passos que faria Jesus, 1ª edição. São Paulo: Editora Cristã Unida, 1997.



domingo, 1 de agosto de 2010


“E ele morreu por todos, para que os que vivem não vivam mais para si, mas para aquele que por eles morreu e ressuscitou.” II Co. 5.15

Ninguém pode negar que este nosso tempo é de muitas inquietações. Vivemos um verdadeiro tempo de questionamentos e convulsões sociais. A cada dia os padrões são postos à prova e espera-se que estes caiam para dar lugar a um novo, baseado nas novas tendências sociais de convivência e liberdade.

A cada dia um termo, uma lei, uma regra, caem para dar lugar ao novo. A cada instante, na mesma velocidade das conexões de telecomunicação, o novo se apresenta e pede espaço. E o espaço que ele pede, exige a retirada de algo que já estava ali. Então, como alguém que renova o guardarroupas, tira-se tudo que estava guardado e acomodado (mesmo ainda podendo ter utilidade) e substitui-se por aquilo que é a nova tendência.

Nas instituições ou empresas isto é chamado de atualização. A atualização visa colocar a entidade/empresa em condições de concorrência. Visa dar a esta, uma roupagem que a identifique com seu tempo. Seja redesenhando sua logo, seja fazendo fusões com empresas antes concorrentes, seja inaugurando um serviço pioneiro.

E o que isso tudo me diz com respeito à vida cristã e seus princípios?

Diante da velocidade das atualizações e renovações, o cristianismo tem sido desafiado a também entrar na onda, buscar uma nova roupagem, dar ares mais frescos ao velho discurso doutrinário ou, como determinam as novas tendências, fazer um upgrade. O cristianismo é desafiado todos os dias a dar respostas às questões da vida, mas os que perguntam esperam que esta seja politicamente correta, sociável, enfim, sem absolutismos.

Em momentos assim, faz-se necessário voltar e rever o antigo caminho percorrido.

Sempre gostei de desenhar, mas nunca tive um talento nato como meus amigos. Há algum tempo comecei a estudar CorelDraw e passei a fazer no computador aquilo que meu talento manual não alcançava. Depois me empolguei com o Photoshop. Ali eu podia fazer coisas como aquelas que via nas revistas e televisão. Mas, a coisa mais importante que aprendi estudando estas duas ferramentas é que, não importa o estágio do trabalho em que você se encontre, tenha a coragem de admitir que não está bom e volte ao começo. Isto implica, às vezes, renunciar dias de trabalho. Já joguei fora cartazes que, os outros diziam estarem ótimos, mas que não representavam o que eu queria mostrar.

Não sei quanto a você, mas eu não estou muito satisfeito com o evangelho que está sendo mostrado pela mídia. Que ocupa os púlpitos de grandes e pequenas igrejas. Que povoa as canções de adoração profética, pipocando aqui e ali. Perdoem-me os adeptos destas linhas de pensamento, mas vejo estas cada vez mais longe das raízes do evangelho pregado por Jesus e cultivado com sangue pelos Apóstolos.

Por isso proponho uma reflexão sobre os PRINCÍPIOS DA VIDA CRISTÃ. Não vou enumerá-los, visto que não pretendo encerrar o assunto e admito que, lendo esta série de estudos, você discorde da disposição em que aparecem ou mesmo da inclusão em uma ou outra categoria que aqui eu monto. De qualquer forma, espero sinceramente apenas provocá-lo a uma reflexão sincera sobre as características, ou marcas, ou identificações de uma vida cristã.

Também não usarei a sentença “VIDA CRISTÃ AUTÊNTICA” por entender que não há vida cristã APÓCRIFA. Discursos e máscaras podem até fazer parte de um bom espetáculo teatral, mas nos bastidores, quando a maquiagem é retirada e o roteiro abandonado, aparecem as pessoas de verdade. Vida Cristã fala de verdade e não de teatro. Embora alguém possa falar e representar o que na verdade não é, não pode viver outra vida. Cedo ou tarde terá de ser ela mesma. A vida cristã se revela neste momento. Não existe opções diante do evangelho. Ou se está vivo (e se vive para Cristo e por Cristo) ou está morto com o restante do mundo.

Então, gostaria de passar a refletir sobre os princípios que identifico em uma vida cristã. Convido você a refletir comigo em cada um deles.

Seja o Senhor engrandecido em sua vida.








“E eu dei-lhes a glória que a mim me destes, para que sejam um, como nós somos um. Eu neles, e tu em mim, para que eles sejam perfeitos em unidade, e para que o mundo conheça que tu me enviaste a mim e que tens amado a eles como me tens amado a mim.” Jo. 17.21,22

Diante das tragédias, nos habituamos a ver a comoção social e a disposição de muitas pessoas em fazer alguma coisa para socorrer desabrigados, buscar desaparecidos ou simplesmente ascender uma vela diante da casa de um injustiçado. As pessoas vivem suas vidas o mais privadamente possível, mas, diante da dor, lembram-se que são iguais.

Isso não ocorre ao acaso. Todos nós recebemos a vida da mesma fonte:

“Assim diz Deus, o Senhor, que criou os céus, e os estendeu, e formou a terra e a tudo o que produz, que dá a respiração ao povo que nela está, e vida aos que nela andam.”1

E somos sustentados vivos de igual maneira:

“Pois nele vivemos, e nos movemos, e existimos. Como também alguns dos vossos poetas disseram: Somos sua geração.” 

Também fomos condenados pelos pecados com a mesma sentença:

“Pelo que, como por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, por isso que todos pecaram.”2

E como disse um poeta nordestino: “A morte iguala a todos os homens”. Por isso, todos morrem, sem diferença:

“Porque nunca haverá mais lembrança do sábio do que do tolo; porquanto de tudo nos dias futuros, total esquecimento haverá. E como morre o sábio, assim morre o tolo!”3

Deus nivela todos os homens debaixo do pecado, e lhes dá gratuita e igualmente a redenção, de forma que assim como os homens são nivelados debaixo do pecado, e são feitos iguais neste ponto, também a salvação é dada sem distinção, no que ninguém pode argumentar que um é salvo por merecimento e outro por misericórdia:

“Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isso não vem de vós; é dom de Deus.
Não vem das obras, para que ninguém se glorie.” 4

Sendo assim, espera-se que aqueles que vivem sob a mesma situação, ajam altruisticamente, ajudando, colaborando uns com os outros. Naquilo que a palavra solidariedade traz de significação, dependendo uns dos outros.

Não é possível vivermos isolados, um poeta inglês escreveu que nenhum homem é uma ilha e, de fato, somos seres sociáveis e não conseguimos viver de forma diferente.

Estar sozinho às vezes é bom, mas se este estado se prolonga, causa dor e sentimento de rejeição. Precisamos interagir. Sentir o outro. Falar e ouvir outras pessoas. Somos incompletos e nos completamos no outro. Isso não é psicologia nem sociologia contemporânea, é ensino Bíblico.

Logo, o mínimo que se espera de pessoas na mesma situação é solidariedade. Ser solidário é sentir o mesmo que o outro, é alegrar-se com os que se alegram e chorar com os que choram. É ter um mesmo sentimento:

“Completai o meu gozo, para que sintais o mesmo, tendo o mesmo amor, o mesmo ânimo, sentindo uma mesma coisa” 5

Desta exigência Divina da solidariedade, resultam atitudes que caracterizam o cristão. A primeira delas é o PERDÃO.

Como já vimos, Deus perdoou os pecados dos homens embora a ofensa fosse grave e impossível aos transgressores remediá-la. Deus então providencia a redenção dos pecados, e ele mesmo sofre, em lugar dos homens, o castigo pela transgressão. Logo, o que Deus espera dos perdoados? Que se perdoem mutuamente.

Na parábola do credor empedernido, em Mateus 18.23-35, um rei (que representa a posição de Deus julgando o homem) cobra de um de seus servos (um homem que é julgado) aquilo que lhe é devido. Mas, este não como condições de pagá-lo e, depois de ter esta certeza, o rei então perdoa totalmente uma dívida altíssima. Agora, perdoado, este homem sai e se encontra com um homem que lhe deve soma muito inferior à que lhe havia acabado de ser perdoada. Qual era logo a atitude lógica que se esperava deste? Que contasse ao outro quão misericordiosamente lhe havia sido perdoada dívida impossível de ser quitada, e, da mesma forma, anular naquele instante toda a dívida que o homem tinha consigo. Mas não foi esta a sua atitude. Antes, mandou que prendessem o devedor e Dalí só lhe liberaria quando pagasse toda a dívida.

Que homem ruim não! Que coração duro! Mas, espere. Não é exatamente isso que fazemos quando nos negamos a perdoar? Nossa dívida era incomparável, e a ofensa que tínhamos contra Deus, não pode sequer ser comparada com o que nos possam fazer o homem. Mas, muitos de nós insiste em não perdoar.

Para aqueles que não perdoam, fica uma observação. Nossa situação solidária nos diz que, se não estamos em plena paz com os demais, somos impedidos de receber perdão de nossos pecados também:

“Pois se perdoardes aos homens suas ofensas, também vosso Pai celestial vos perdoará a vós. Porém se não perdoardes aos homens as suas ofensas, também vosso Pai celestial não perdoará as vossas”.6

E, como não poderia deixar de ser, a lei moral de Deus vai muito além da falsa moralidade mundana. Nós até podemos nos dispor a perdoar qualquer um que nos procure para tal, mas não é isso que o Senhor espera.

“Portanto, se trouxeres a tua oferta ao altar e aí te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa ali diante do altar a tua oferta, e vai reconciliar-te primeiro com teu irmão, e depois vem, e apresenta a tua oferta.” 7

Diante da ofensa, como o próprio Deus fez, Ele espera que nós tenhamos a atitude de buscar a reconciliação, mesmo sendo nós os ofendidos. Quem não está preparado para isso, não o está para o cristianismo.

Perdoar não é fácil. Concordo. Dói. Mas, depois, gera frutos de alegria para longos tempos. Uma das palavras hebraicas para perdoar é nasa*, tem o sentido de livrar, libertar, como a apalavra grega aphesis que em Lc. 4.18 tem o sentido de “soltar do cativeiro”.  Mas, quem está preso numa relação onde não cabe o perdão? O perdoado ou o perdoador?

Perdoar é permitir que uma ferida seja cicatrizada. Feridas doem, e quanto mais tempo levar para se fechar, maior incomodo causará. Tolstoi um dia resolveu permitir que sua esposa lesse seu diário, inclusive suas aventuras amorosas. Ali ela leu um romance que ele havia mantido ainda em sua adolescência com uma camponesa chamada Axinya. Um tempo depois, ela escreveu em seu diário:

“Ele gosta daquela prostituta camponesa com o forte corpo de fêmea e pernas queimadas de sol, ela o atrai tão poderosamente agora como fazia durante todos aqueles anos passados”8

O detalhe disto é que, quando ela escreve estas palavras, Axinya já uma velha curvada de oitenta anos. O rancor cega. O ódio se faz em prisão para aqueles que o cultivam. A estes, o perdão traz a liberdade que não se pode alcançar na vingança.

Diante de José do Egito estava a oportunidade de vingança que alguns poderiam imaginar que há muito tempo ele esperava. Mas José escolhe perdoar.

Poder-se-ia dizer que ele é um fraco? Eu, porém, digo que é o homem mais forte cuja história conheci. A vingança era fácil e estava à sua mão. Ninguém o repreenderia por mandar matar seus irmãos (sendo ele Governador do Egito) depois de tudo quanto eles tinham feito. Era então a vingança o caminho mais fácil. Ele porém, com dores profundas na alma, liberta-se de toda uma história de perda, rancor, abandono, escravidão. Com o perdão veio a paz. Com a paz se fez um novo povo, de onde saiu o redentor do mundo.

O perdão é, pois, uma das características do cristão que o identifica neste mundo. É uma marca nos que vivem de forma solidária, entendendo no cristianismo não há acepção, nem preferidos. Aqui todos são feitos iguais diante daquele que o único Soberano Senhor: Jesus; Rei dos Reis e Senhor dos Senhores.



1- Isaías 42.5 – Versão de Almeida Edição Contemporânea.
2- Atos 17.28 (idem)
3- Romanos 5.12 (ARC)
4- Eclesiates 2.16 (idem)
5- Efésios 2.8
6- Filipenses 2.2
7- Mateus 6.14-15
8- Mateus 5.23,24
  * Dicionário Internacional de Teologia - Verbete Perdão - Página 1646 - Ed. Vida Nova.



sexta-feira, 16 de julho de 2010

Uma exposição da doutrina da graça

O apóstolo Paulo, através do capítulo 2 de Efésios, esboça, de forma inspiradora, a triste situação espiritual de todos os seres humanos e o grande plano salvífico elaborado pelo Deus Trino desde os tempos eternos.
O apóstolo da graça argumenta, em Efésios 2.1-3, que: em primeiro lugar, a humanidade está morta espiritualmente (estando vós mortos nos vossos delitos e pecados), ou seja, alheia à comunhão com Deus, destituídos da sua glória (Rm. 3.23), inimigos d’Ele (Rm. 5.10); Em segundo lugar, o ser humano sem Cristo encontra-se escravizado por forças opressoras, tanto internas como externas. Por fora está “o curso deste mundo”, a cultura secular prevalecente; por dentro estava “as inclinações da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos”, nossa natureza caída, profundamente ligada ao egocentrismo e além desses dois, operando ativamente através destas influências, “o príncipe da potestade do ar, do espírito que agora atua nos filhos da desobediência”, que é o diabo, o príncipe das trevas, que nos mantinha em cativeiro. E por último estávamos condenados, pois “éramos, por natureza, filhos da ira”. A humanidade caída e transgressora dos princípios divinos é considerada culpada e suscetível à ira de Deus como penalidade dos seus próprios atos.

Mas, o apóstolo dos gentios não termina seu argumento nesses termos, ele informa à igreja sobre algo que Deus planejou desde a eternidade. O apóstolo explica o que foi que Deus fez, em Cristo, e depois diz o motivo que levou Deus a salvar o homem.

“O que foi que Deus fez?” – pergunta o apóstolo. Paulo diz que Deus fez três coisas. Primeiro Deus nos deu vida, “Mas Deus [...] nos deu vida juntamente com Cristo” (2.4,5). Em segundo lugar nos ressuscitou, “e, juntamente com ele, nos ressuscitou” (2.6a). E por último, nos exaltou “... e nos fez assentar nos lugares celestiais em Cristo Jesus” (2.6b).

Outra pergunta pode ser levantada sobre o argumento apostólico: Por que Deus fez tudo isso, qual foi o motivo que levou o Senhor a realizar essa transformação magnífica no ser humano? O apóstolo relaciona quatro motivos que fez com que Deus agisse como agiu. Primeiro lugar, a sua misericórdia, “Deus sendo rico em misericórdia” (2.4a); Em segundo lugar o seu amor, “... por causa do seu grande amor com que nos amou” (2.4b); O terceiro motivo foi a sua graça, “pela graça sois salvos” (2.5,8) e a última razão de Deus nos salvar é a sua bondade, “... em bondade para conosco, em Cristo Jesus” (2.7b).
Então, Paulo termina seu argumento escrevendo: “Pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas” (2.10).

Comentando essa primeira parte do versículo o escritor John Stott ressalta: “A salvação é a criação, a nova criação. E a linguagem da criação é uma contradição a não ser que haja um Criador.” Na cruz Deus estava realizando um novo “genesis”, um novo começo, uma nova criação, um novo nascimento, nosso parentesco com “Adão” finalizou-se quando nos unimos pela fé a Cristo. A palavra “feitura” (grego poiema) significa “poema”, “arte”; os cristãos são como “telas de quadro”, onde Cristo é o “pincel” e o Pai o artista por excelência, por meio de Jesus, o Pai vai realizando sua magnífica obra de arte, a qual somos nós! E Deus fez tudo isso, diz o apóstolo, com um objetivo, “para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas. A evidência que somos novas criaturas está no fato de nós desenvolvermos o caráter de Cristo em nossas vidas, sua ética, sua moral, seus princípios e valores. Permitir que o Espírito Santo imprima em nós as virtudes do fruto d’Ele e nos leve a cada dia a refletirmos o caráter de Cristo em nossas vidas. 

Esse é o nosso desejo e a nossa oração a Deus por todos nós. Amém!

Por Daniel Novais, Dirigente da Congregação Batista Betel.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Liberdade!

Liberdade! Cantavam os negros sulistas em Mississipe. Liberdade! Sonhavam os escravos nos fundos fétidos e insalubres dos navios negreiros que vinham da áfrica. Liberdade! Protestaram, lutaram, morreram e alcançaram as províncias da antiga União Soviética. Liberdade! Desejam os cubanos, para ir e vir, para comprar e vender, para ter o que é propriamente seu (a redundância de termos é proposital). Por liberdade de expressão, durante os regimes militares, lutaram jornalistas, estudantes, livre-pensadores, ativistas sociais.
Mas, os tempos mudaram. Também as motivações.

Temos agora uma juventude que deseja liberdade para ir ao baile funk: as meninas sem calcinha e os meninos sem respeito. Para ter relações sem qualquer laço sentimental, gerar filhos indesejados e matá-los sem culpa, seguindo em busca de novas emoções.

Querem liberdade para fumar maconha na praça, beber até cair em coma alcoólico, se tornar famoso no Youtube fazendo todo tipo de bizarrice. Seja gravando clips enquanto dirigem há duzentos quilômetros por hora em via pública , seja ensinando a invadir sistemas de entidades privadas.

Mas, o que se pode esperar de uma geração que tem como heróis, viciados que morreram de overdose, depravados que não demonstraram nenhum respeito pelos próprios pais que dirá por outros?
 
O que se pode esperar de adolescentes que crescem se inspirando em traficantes portando AK’s e submetralhadoras e desperdiçam dinheiro exibindo seus carrões e suas mansões hollywoodianas. Tudo isso enquanto exploram a miséria de crianças e adolescentes sem perspectiva, os arregimentando para seus grupos criminosos, contando ainda com a complacência de um estado que confunde os tempos, atribuindo a bandidos direitos conquistados para proteger humanos honestos que usaram a caneta e a coragem para enfrentar os desmandos de tempos passados.

Mas isso não é regra. Há um movimento que há séculos traz crianças, jovens e adolescente a uma outra dimensão de vida. Que há muito ensina que virgindade, família com um pai (homem) e uma mãe (mulher), trabalho honesto, sinceridade, pureza e amor, não são artigos envelhecidos e fora de moda, antes, são padrões que devem ser perseguidos e defendidos.

Este movimento é a igreja.

Digam o que quiserem. Que a igreja fechou os olhos ante a violência da ditadura, que apoiou as idéias de Hitler, que promoveu o extermínio dos índios e ordenou massacres aos hereges. Não é de todo mentira. Há um passado negro na história desta instituição. Mas, de que igreja estou falando?

Eu me refiro a uma igreja que já estava na favela quando o governo, pressionado pela possibilidade de sediar uma copa do mundo e olimpíada, enfiou a polícia no morro para expulsar o tráfico e limpar a imagem no exterior. A diferença é que a igreja desde seu início se preocupa com as pessoas que estão lá dentro, e não em maquiar o morro para que ele pareça mais bonitinho para os observadores nos países de primeiro mundo.
Eu me refiro a uma igreja que não está nos telejornais, não é inspiração para novelas, não é convidada para opinar em assuntos importantes de relevância nacional, mas, que, sem alardes marquetistas, ajuda a transformar essa nação (e todas as outras em que está presente) em um lugar menos violento e desigual. Não acredita? Discorda? Vá às ruas onde ninguém quer morar, nos guetos de violência, nos prostíbulos e esquinas onde se pode comprar de DVD’s piratas a sexo. Passe nestes lugares em horários que, normalmente, ninguém mais passa. Sabe quem você encontra? Grupos de irmãos cantando, pregando, distribuindo literatura, pão, um cafezinho, uma palavra.

Aqueles que criticam nossa fé e acusam a igreja de idiotização dos homens, deveriam observar a história de homens como John Wesley, Guilherme Carey, D. L. Moody, Geroge Muller, entre tantos outros, que iniciaram grandes trabalhos de educação de pessoas totalmente excluídas em seu tempo, que tiraram crianças das ruas em um tempo em que elas eram lançadas à própria sorte assim que ficavam órfãs, que fundaram instituições de educação em um país altamente subdesenvolvido como a Índia, mesmo tendo que lutar contra disposições da Inglaterra.

Quando a igreja defende um padrão moral, o faz por saber até que ponto o homem é capaz de se depravar, e abraçar as mais infames práticas.

Ensinar um padrão de vida com moralidade, respeito, temor ao Senhor em santidade, decência e amor sincero, não é retrógrado. Em um tempo de pessoas sem perspectiva, de crianças, jovens e adolescentes improdutivos e explorados em suas necessidades e fraquezas, de perda total de referências, a igreja tem o dever de não se enclausurar. Não é tempo de estarmos nos monastérios. Precisamos subir aos telhados e anunciar a verdade.

Vós sois a luz do mundo; não se pode esconder uma cidade edificada sobre um monte; nem se acende a candeia e se coloca debaixo do alqueire, mas, no velador, e dá luz a todos que estão na casa. Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem o vosso Pai, que está nos céus.

terça-feira, 1 de junho de 2010

 

De onde eu vim? Por que estou aqui? Para onde vou? Estas perguntas têm incomodado as pessoas há séculos. São as chamadas questões existenciais. Existem duas peculiaridades nestas questões. Primeiro, trata-se dos anseios mais profundos da alma e não há sequer a possibilidade de deixá-las de lado. Simplesmente, todo homem e mulher quer e busca respondê-las. E aí está a segunda característica, a universalidade. Independentemente de cultura, história de vida, classe social, nível intelectual e formação profissional, qualquer ser humano, em um momento ou em outro, se vê às voltas com tais questionamentos.

Acontece que nem sempre as questões existenciais são respondidas satisfatoriamente. Nestes casos, é comum o uso de uma expressão parecida: vazio existencial. É como estar com fome ou sede. Só há duas opções: ou sacia-se a necessidade do corpo, ou se esmorece e morre. Os problemas existenciais, de igual modo, têm de ser resolvidos para que o vazio interior seja preenchido. Davi se expressou desta maneira: “assim como a corça anseia pelas águas, a minha alma tem sede de ti, ó Deus” (Salmo 51.)

Historicamente, Deus vem sendo entendido como o fundamento primeiro e último da existência e, portanto, o único que pode dar sentido à vida. Num passado não muito distante, aqueles que ousassem declarar que Deus não existe, de pronto recebiam a alcunha de ímpios, néscios e insensatos, em alusão à Bíblia (Salmo ). Porém uma nova geração de ateus quer acabar com este estigma. E vai mais longe: quer virar a arma outrora apontada para si contra seus acusadores, os cristãos. O neo-ateísmo propõe resolver os problemas da humanidade extinguindo as religiões, a começar pelo cristianismo. Mas será que ele consegue dar sentido à vida? Será que é capaz de tranqüilizar a alma de seus adeptos? E quanto ao velho cristianismo, ele perdeu, de fato, seu valor? Deus é mesmo um delírio?

A paralisia do ateísmo

Albert Einstein dizia que a ciência sem a religião é coxa, aleijada ou, conforme outra tradução, paralítica. O que Einstein queria dizer é que a ciência é limitada, e não pode saber o que está por trás do mundo observável. A ciência é como a primeira instância de uma importante investigação policial: ela vai até certo ponto e a partir dali deve dar lugar a uma equipe mais especializada. Se as grandes questões que afligem os homens ficarem somente a cargo da ciência, mesmo que ela descubra toda a engrenagem do Universo, a vida continuará sem sentido e a humanidade, angustiada.

É muito custoso aos novos ateus admitirem isto. Em geral, eles preferem insistir que a natureza por si só pode resolver todos os problemas humanos e, quanto às questões em aberto, esperam que com o tempo as descobertas científicas as respondam. O que há de errado com estes ateus? Nas palavras de Einstein, eles são paralíticos. Contudo, embora se locomovam em cadeiras de roda, querem ajudar os transeuntes comuns a andar!

O retrato dos países ateístas acentua ainda mais esta ironia. Na Suécia, por exemplo, que tem índices altíssimos de ateísmo, o suicídio chega aos 25 por cento na faixa etária dos 15 aos 44 anos. O curioso é que os suecos estão no topo dos povos com melhores índices de desenvolvimento humano do planeta. Lá, educação não é problema, saúde pública não é problema, fome não é problema. Eles têm tudo, mas lhes faltam motivos para viver. No fim das contas, não têm o mais importante.

A abrangência do cristianismo

“...a religião sem a ciência é cega”. Este é o complemento da máxima de Einstein citada anteriormente. Então, é oportuno perguntar: o cristianismo sofre desta cegueira? O livro Verdade Absoluta (CPAD, 2006), de Nancy Pearcey, responde com um sonoro “não!”. Seguindo a trilha de Francis Schaeffer, um dos mais respeitados apologistas do século passado, a autora trata da relação entre o cristianismo e os saberes seculares. Ela afirma que a fé cristã é verdadeira não apenas no âmbito religioso, como também em referência a toda e qualquer realidade. “Em qualquer área de estudo, estamos descobrindo leis ou ordenações da criação pelas quais o Criador estruturou o mundo”, garante.
Com efeito, Nancy não postula uma verdade até então escondida, mas se une à história inteira do cristianismo. Desde os apóstolos, os cristãos lidam tranqüilamente com idéias e linguagens de outras culturas, como João, ao referir-se a Jesus como o verbo (logos) de Deus (João 1.3), termo que no pensamento grego designava o princípio responsável pela criação e sustentação do Universo; e Paulo, no discurso para os filósofos atenienses no Areópago, persuadindo-os de que Deus era o doador e mantenedor da vida: “Porque nele [em Deus] vivemos, nos movemos e existimos” (Atos 17.28).
Nos séculos seguintes, pensadores como Agostinho de Hipona, Anselmo de Cantuária e Tomás de Aquino deram continuidade à tradição apostólica e entraram para a história tanto da teologia quanto da filosofia. Foi durante o período que eles viveram, a chamada Idade Média, que surgiram na Europa as primeiras escolas e universidades.

Com o advento da ciência moderna, os cristãos não saíram de cena. Antes, lançaram os fundamentos do novo método científico. Alguns deles revolucionaram suas áreas de estudo: Galileu Galilei, na astronomia, Isaac Newton, na física e na matemática, e Gregor Mendel, na genética. Em comum, tinham por hábito considerarem que apenas um ser sobrenatural podia dar a explicação última às suas descobertas. Portanto, o cristianismo, além de não sofrer de deficiência visual, iluminou o caminho da humanidade rumo à descoberta da verdade total, na confiança de que toda verdade (com V maiúsculo) provém de Deus.

As respostas propriamente ditas

O fato de o cristianismo dialogar com conhecimentos extra-religiosos, contudo, não valida sua premissa básica, isto é, a existência de Deus. A própria Bíblia diz que “ninguém jamais viu a Deus” (1 João 1.18). Sendo assim, os ateus, ainda que aleijados, podem estar com a razão. Mas não estão. Aliás, um dos pontos em que a razão mais favorece a fé cristã é o conjunto de argumentos a favor da existência de Deus. Norman Geisler e Frank Tureck compilaram estes argumentos no livro Não Tenho Fé Suficiente para Ser Ateu (Vida, 2006).

Argumento Cosmológico: o nome é estranho, mas refere-se ao estudo da origem do Universo. Procura responder à pergunta “de onde eu vim?”. Durante muito tempo, os ateus acreditaram que o Universo era eterno, mesmo contrariando o princípio da causalidade, tão bem exposto por Tomás de Aquino há mais de 700 anos. Segundo este princípio, todo efeito tem uma causa, que tem outra causa, e outra, e outra... Como uma regressão infinita é racionalmente inconcebível, deve ter havido uma causa primeira que não foi causada, ou seja, Deus. Uma analogia válida, ainda que imperfeita, é a de um jogo de dominó com as 28 peças dispostas sobre a mesa, na vertical, uma após a outra, a uma pequena distância entre si. Se a primeira peça cair, todas as outras inevitavelmente cairão. Mas para que isso ocorra, algo ou alguém tem de empurrar a primeira peça, pois ela não pode causar sua própria queda. A teoria do Big Bang confirma este argumento. Segundo esta teoria, o Universo surgiu de uma grande explosão num certo ponto do passado, criando o espaço, o tempo e a matéria. Antes disso, não existia nada. Como o nada não cria nada, é de se esperar que houvesse um ser não-espacial, atemporal e imaterial que criou tudo o que veio a existir. Daí, o princípio da causalidade apontar para Deus, que segundo a teologia cristã não é espacial, nem temporal, nem material. 

por James Meira.

sábado, 15 de maio de 2010

Pense nisto.


Amados, desejei publicar este texto (embora não conheça a autoria), porque ele reflete muito do que sinto quando olho para esta igreja dos mega-shows, mega-templos, mega-obreiros... Megalomaníeca.
Não entendo como a obra iniciada com tanta pureza se tornou, e vai se tornando cada dia mais, nisto que é qualquer coisa menos igreja de Jesus. Por isso, peço que leiam o texto a seguir e pensem sobre o assunto.

Um e-mail para o Apóstolo Paulo.

Amado apóstolo:

Estou escrevendo para colocá-lo a par da situação do Evangelho que um dia você ajudou a propagar para nós gentios, e que lhe custou a própria vida. As coisas estão muito difíceis por aqui. Quase tudo o que você escreveu foi esquecido ou deturpado.

Você foi bastante claro ao despedir-se dos irmãos em Éfeso, alertando que depois de sua partida lobos vorazes penetrariam em meio à igreja, e não poupariam o rebanho [1]. Palavras de fato inspiradas, pois isso se concretiza a cada dia.

Lembra-se que você escreveu ao jovem Timóteo, que o amor ao dinheiro era a "raiz de todos os males"[2]? Quero que saiba que suas palavras foram invertidas, e agora se prega que o dinheiro é a "solução" de todos os males.

Também é com tristeza que lhe digo que em nossa época ninguém mais quer ser chamado de pastor, missionário ou evangelista, pois isso é por demais humilde: um bom número almeja levar o título de apóstolo. Sei que em seu tempo, os apóstolos eram "fracos... desprezíveis. .. espetáculo para os homens... loucos... sem morada certa... injuriados.. . lixo e escória" [3]. Agora é bem diferente. Trata-se de uma honraria muito grande: acercam-se de serviçais que lhes admiram, quando viajam exigem as melhores hospedarias e são recebidos nos palácios pelos governantes.

Eles não costumam pregar seus textos, pois você fala muito da "Graça" e da "liberdade que temos em Cristo" [4]. Isso não soa bem hoje, pois a Igreja voltou à "teologia da retribuição" da Antiga Aliança (só recebe quem merece), e liberdade é a última coisa que os pastores querem pregar à suas ovelhas.

Você não é bem visto por aqui, pois sempre foi muito humano, sem jamais esconder suas fraquezas: chegou até reconhecer contradições internas, dizendo que não faz o bem que prefere, mas o mal, esse faz [5]. Eles não gostam disso, pois sempre se apresentam inabaláveis e sem espinhos na carne como você. A presença deles é forte, a sua fraca [6], eles são saudáveis, você sofria de alguma coisa nos olhos [7], eles jamais recomendariam a um irmão tomar remédio, como você fez com Timóteo [8], mas aqui eles oram e determinam a cura – coisa que você nunca fez.

Você dizia que por amor de Cristo perdeu "todas as cousas" considerando- as refugo [9]. As coisas mudaram, irmão. Agora cantamos: "Restitui, quero de volta o que é meu!".

Vivo em uma cidade que recebeu o seu nome, e aqui há um apóstolo que após as pregações distribui lencinhos vermelhos encharcados de suor, e as pessoas levam pra casa, como fizeram em Éfeso, imaginando que afastarão enfermidades [10]. Sim, eu sei que você nunca ordenou isso, nem colocou como doutrina para a igreja nas epístolas, mas sabe como é o povo....

Admiro sua coragem por ter expulsado um "espírito adivinhador" daquela jovem [11], embora isso tenha lhe custado a prisão e açoites. Você não se deixou enganar só porque ela acertava o prognóstico. Hoje há uma profusão de pitonisas e prognosticadores no meio do povo de Deus, todavia esses espíritos não são mais expulsos, ao contrário, nos reunimos ansiosos para ouvir o que eles têm a dizer para nós.

Gostaria de ter conhecido os irmãos bereanos que você elogiou. Infelizmente, quase não existem mais igrejas como as de Beréia, que recebam a palavra com avidez e examinem as Escrituras "todos os dias para ver se as coisas são de fato assim"[12].

Tem hora que a gente desanima e se sente fragilizado como Timóteo, o seu companheiro de lutas. Mas que coisa bonita foi quando você o reanimou insistindo para que reavivasse "o dom de Deus" que havia nele [13]. Estou lhe confessando isso, pois atualmente 90% dos pregadores oferecem uma "nova unção" para quem fraqueja. Amo esta sua exortação, pois você ensina que dentro de nós já existe o poder do Espírito, dado de uma vez por todas, e não precisamos buscar nada fora ou nada novo!

Nossos cultos não são mais como em sua época, onde a igreja se reunia na casa de um irmão, havia comunhão, orações, e a palavra explanada era o prato principal... . as coisas mudaram: culto agora é como fosse um show, a fumaça não é mais da nuvem gloriosa da presença de Deus, mas do gelo seco, e a palavra é só para ensinar como conseguir mais coisas do céu.

O Espírito lhe revelou que nos últimos tempos alguns apostatariam da fé "por obedecerem a espíritos enganadores" [14]. Essa profecia já está se cumprindo cabalmente, e creio que de forma irreversível.

Amado apóstolo, sinto ter lhe incomodado em seu merecido descanso eternal, mas eu precisava desabafar. Um dia estaremos todos juntos reunidos com a verdadeira Igreja de Cristo.



[1] At 20.23
[2] 1Tm 6.10
[3] 1Co 4.-9-13
[4] Gl 2.4
[5] Rm 7.19
[6] 2Co 10.10
[7] Gl 4.13-15
[8] 1Tm 5.23
[9] Fp 3.8
[10] At 19.12
[11] At 17.18
[12] At 17.11
[13] 2Tm 1.6
[14] 1Tm 4.1

segunda-feira, 10 de maio de 2010

O Lugar dos meus Sonhos


Eu gostaria de ter um lugar para onde eu pudesse ir sempre que me sentisse triste, perseguido, abatido, duvidoso;

Eu gostaria muito de conhecer algum lugar onde pudesse ouvir uma palavra agradável, mas não comprometida; consoladora, mas não enganosa ou vislumbrada;

Eu gostaria de estar entre pessoas que se amam independente dos defeitos de cada um; onde houvesse sempre alguém em quem confiar seus mais constrangedores segredos sem a preocupação de vê-los expostos no momento seguinte;


Eu desejo um dia conhecer um lugar onde haja homens e mulheres que cuidam dos mais fracos na fé; que apascentam almas feridas como se fosse sua própria, que se importam mais com os outros do que consigo mesmos (ou pelo menos com a mesma intensidade);

Eu gostaria de conhecer algum lugar! Qualquer lugar!

Onde as coisas não tenham tanto valor que as pessoas sejam absolutamente ignoradas em seus sentimentos; onde aqueles que profetizam, o façam na medida de sua fé; onde os que ministram, assim o façam, e os que ensinam sejam apaixonados pela doutrina; os que exortam o façam com o sincero desejo de edificar e não de derrubar; os que repartem, sejam sempre maioria e nunca exceção; os que “presidem” entendam sua posição intermediária e o façam com imparcialidade e que o exercício da misericórdia seja tão comum quanto comprar, vender, andar...

Eu gostaria de estar entre os discípulos do Senhor nas noites no deserto, certamente lá era bem melhor que entre os fariseus que todos os dias iam ao templo e se gloriavam de serem melhores, os guardiões da sagrada lei.

Eu preferiria estar entre os discípulos do Galileu pobre, filho de um marceneiro,  que estar entre os alunos de Gamalieu, sendo preparado para fazer parte do órgão máximo da lei Judaica – o Sinédrio, fazendo parte de um grupo de homens que achavam que estavam acima dos julgamentos do “povinho”, os quais eram vendidos aos romanos pelo preço de pesados impostos para manter o luxo e a aparência de um grupo absorto em seus desejos de grandeza e prosperidade à custa dos mais pobres;

Eu só quero estar ao lado do Mestre. Só desejo ouvir sua voz sem a interrupção dos vendedores de bênçãos.

Só desejo ouvir a voz do meu Senhor. Como Elias no Monte Carmelo, ou até como Paulo – se assim fosse necessário. Como Maria na anunciação, ou como Zacarias em meio a uma fé vacilante.

O barulho está muito alto! Tem centenas de mercadores gritando e eu só quero ouvir uma voz. Aquela voz.

No lugar de meus sonhos, os mercadores não entram;
Os Fariseus são rejeitados;
Os exploradores são punidos;
O silêncio só é quebrado pela doce voz do amado Amigo.

No lugar dos meus sonhos, há espaço para a misericórdia;
Há lugar para a comunhão;
Há desejo de servir;
Há alegria em profusão.

Neste lugar que eu sonho;
Onde há a alegria que almejo;
O PASTOR e seu rebanho,
Entrarão num lindo cortejo.

terça-feira, 13 de abril de 2010

O TIPO DE CRISTIANISMO QUE LEVA AO ATEÍSMO

por James Meira


Norman Geisler, no livro Não Tenho Fé Suficiente para Ser Ateu, fala sobre um professor católico que não cria em Deus. Intrigado, Geisler lhe pergunta como isso seria possível. O professor responde dizendo que para ser católico não é preciso acreditar em Deus, mas apenas cumprir as regras. Aquele homem era ateu, mas vivia como se Deus existisse, isto é, cumpria as regras.
Este é um bom exemplo de como as pessoas conseguem viver um tipo de cristianismo totalmente diferente do que foi ensinado por Cristo. Mas não é o único “bom” exemplo de cristianismo esquisito. Há outro mais comum, oposto àquele, em que as pessoas crêem em Deus, mas vivem como se Ele não existisse. É a chamada fé teórica ou nominal, tão perniciosa quanto a fé “prática” do professor católico-ateu: ambas têm o potencial de conduzir cristãos e não-cristãos à descrença completa em Deus, ao ateísmo.
Os fariseus tornavam seus seguidores filhos do inferno duas vezes, pois só eram judeus da boca pra fora. Interiormente, tinham a natureza de víboras, eram podres, cheiravam mal, por isso a expressão “sepulcros caiados”, usada por Jesus. Eles pregavam tão bem, mas suas vidas não correspondiam às suas palavras.
Naquele tempo, porém, ser ateu não era uma possibilidade levada a sério. Hoje não. Hoje, diante de cristãos que vivem em franca e deliberada oposição às práticas do cristianismo, como se Deus não existisse, algumas pessoas preferem romper com as máscaras religiosas e assumir que, para elas, Deus não existe mesmo. Certa vez Nietzsche disse: “se mais remidos se parecessem os remidos, mais fácil me seria crer no redentor”. Mesmo um ateu crônico como ele admite a importância do testemunho cristão.
Por isso, tão necessário quanto provar racionalmente que nossa fé é verdadeira é vivermos de forma verdadeira a nossa fé. Nossa justiça precisa exceder (em muito) a dos escribas e fariseus. A propósito, foi a um fariseu que Jesus respondeu: “amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, e com todo o teu entendimento.” (Mateus 22.37) A pergunta era de cunho estritamente intelectual – qual o maior mandamento da Lei? –, mas a resposta envolvia vontade, sentimento e razão; envolvia vivência da fé. O fariseu deve ter ficado com vergonha de Jesus.

Fervor Missionário


“Já é manifesto que vós sois a carta de Cristo, ministrada por nós, e escrita, não com tinta, mas com o Espírito do Deus vivo, não em tábuas de pedra, mas nas tábuas do coração”.  2 Co. 3.2

Falar sobre missões com os Cristãos me parece o mesmo que ensinar as quatro operações matemáticas a alunos universitários. Todos deveriam já ter domínio sobre o assunto, mas há sempre os que insistem em não aprender. Não é raro encontrar em todas as denominações os fervorosos defensores da causa do Reino, aqueles que se envolvem diretamente no embate evangelístico, que se dipoem a sair aos domingos, feriados, ou mesmo no decorrer da semana, percorrendo ruas, trilhas, hospitais. Pessoas que conheceram o Mestre e agora, como Filipe (Jo 1.45), desejam apresenta-lo ao primeiro que encontrarem. Mostrar-lhe a grandeza do tesouro encontrado. Mas, até que ponto o que temos feito realmente proclama o reino de Deus? Seria esse o fervor missionário que tanto se deseja para os últimos tempos?
No que me diz respeito, vejo os olhares dos homens fixados na igreja a perguntarem: “O que vocês tem a nos oferecer?” E a resposta a esta pergunta talvez não seja tão simples como parece. Em seu livro O Jesus que eu nunca conheci (Vida, 2002), Philip Yansey conta a experiência de um amigo que trabalhava com pessoas excluídas, e um dia deparou-se com uma prostituta que estava há algum tempo alugando a filha de dois anos para pedófilos , afim de sustentar seu vício. Quando ouviu esta história, seu amigo lhe questionou o porque de não procurar ajuda, e apontou a igreja como uma dessas possibilidades. Ao que a mulher, espantada, lhe respondeu: “Igreja? Porque eu procuraria uma igreja? Eles me fariam sentir pior do que já estou.”
Afirmamos que a igreja é uma agência do Reino de Deus. Sendo assim ela deve ser o lugar para onde recorrem aqueles que o querem encontrar. Todavia, há um zelo por parte de muitos não na proclamação do evangelho, mas na luta pela afirmação da denominação, ou mesmo da auto firmação no cenário nacional. Falar do evangelho é muito mais que uma causa, é a única causa da existência da igreja. Estamos em uma sociedade que vive tempos de perplexidade, pragmatismo e ausência de padrões. Não seja nunca a igreja uma contribuinte para o aumento desta sensação.
Em tempos assim, como foram também os tempos apostólicos, muito mais que testemunhar com palavras se faz necessário faze-lo com a própria vida. Palavras voam, atitudes ficam. Palavras são levadas pelo vento, exemplos se gravam na consciência como cicatrizes.
É tempo da igreja testemunhar o evangelho, não apenas em palavras, mas em sua vida. E quando eu me refiro á igreja, estou falando dos cristãos, pois somos a igreja do Senhor, o templo do Espírito Santo.