sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Um amigo importuno

Acordo pela manhã e ao tentar levantar da cama sou avisado da pior forma que deveria ter mais cuidado com minha postura ao dormir. Uma dor agonizante e paralisadora trava os músculos de meu pescoço e sou obrigado a me mover como um robô durante todo o dia. Ela está ali, presente, incomodando a cada passo, a cada movimento de cabeça. Essa coisa maligna me prende e limita. A dor impõe respeito.

Ela é quase onipresente no dia-a-dia de qualquer pessoa. Não importa se você não tem uma dor crônica, ou se ninguém em sua família sofre com este mal, alguém perto de você está sofrendo. Ligue a TV, o que você ver entre as notícias? Dor. Abra uma revista, e quem aparece nas manchetes? A dor. Converse distraído em uma roda de amigos e quem se apresenta como assunto? Dona dor.

Pode parecer pessimista ou depressivo, mas se você olhar bem saberá que tenho razão quando digo que a dor está tão presente na vida das pessoas, que já faz parte de seu cotidiano.

Os programas de TV estão cheios de recomendações para evitar as dores. Sejam aqueles alimentos que diminuem os desconfortos da menstruação, sejam as atividades que aliviam a pressão sobre a coluna, sejam as terapias que reduzem os efeitos das enxaquecas... Tem sempre uma receita para não sentirmos dor ou, pelo menos, não tanta.

Pode parecer estranho, mas a dor é aliada e não inimiga. Ela se torna inimiga quando não é ouvida nas primeiras vezes que fala.

A primeira vez que senti dores no pescoço, não liguei, achei que era só a consequência de uma noite mal dormida. Quando fui procurar um médico, minha companheira, Dona dor, estava gritando comigo. Passei um mês fazendo aplicações e fisioterapias, usando um imobilizador no pescoço. Se tivesse ouvido quando ela sussurrava, não teria passado por este constrangimento.

Sentir dor é sempre uma péssima experiência, mas em nossa sociedade ocidental, não é só um incomodo físico ou psicológico, é economicamente inviável. Em uma cultura do “Sem Tempo”, dor é mais um entrave ao progresso. Então, não há tempo para sentir dor, para analisa-la, para buscar sua causa, para tratar seu causador.

Estamos vivendo a era da NÃO DOR. Mas, até onde isso é bom?

No princípio, a dor parecia estar presente, mas não incomodar tanto. O primeiro relato de dor na Bíblia está registrado no livro de Gênesis 3.16-18:
E á mulher disse: Multiplicarei sobremodo os sofrimentos da tua gravidez; em meio de dores darás à luz filhos; o teu desejo será para teu marido e ele te governará. E à Adão disse: Visto que atendeste à voz de tua mulher e comeste da árvore que eu te ordenara não comesses, maldita é a terra por tua causa; com dor comerás dela todos os dias da tua vida. Espinhos e cardos também ela te produzirá, e comerás a erva do campo.

O texto bíblico acima traz alguns detalhes interessantes.

1-    Quando Deus anuncia a maldição do pecado sobre a mulher, Ele não insere a dor no mundo. Ela já existe (“multiplicarei” aparece demonstrando que o que antes existia era bem menos agressivo). O que acontece é a desvirtualização de sua missão. O pecado levou a dor a patamares nunca antes conhecidos por Adão e Eva, e isso, não só na esfera física;
   
2-    Ao homem também é imposta a maldição da dor, mas, no seu caso, atinge sua tarefa diária. Se antes era prazeroso cultivar a terra, agora é enfadonho e causa dores. O homem sofrerá tentando cultivar uma terra que geme por sua culpa e que não mais lhe dará o alimento espontaneamente, mas somente com esforço desgastante e doloroso;

3-    Até então, a terra só produzia plantas e árvores benéficas ao ser humano. Ela não o agride. Isso agora mudará porque nascerão espinhos e cardos. A natureza se arma contra agressor que, até então, era seu aliado, companheiro, senhor. Ela provocará a dor nele e ele a submeterá a muitas dores.

A dor se tornou um entrave à felicidade. Porém, nem sempre sentir dor deve ser entendido como uma tragédia. Nosso problema é que vivemos em um mundo em que o prazer é um fim em si mesmo. A mínima dor faz as pessoas se sentirem derrotadas e amaldiçoadas. Não deveria ser assim.

A dor faz parte do sistema de defesa do corpo. Qualquer pessoa normal sente dor. Ela é quem nos avisa que há algo errado, que em algum lugar, nosso sistema foi invadido ou lesionado, ou, algum órgão está com dificuldades para trabalhar devido à alguma intromissão de vírus ou bactéria.
Sentir dor é necessário.

Há uma doença conhecida como Insensibilidade Congênita à Dor. Pessoas que sofrem deste mal são capazes de fazer procedimentos médicos altamente dolorosos sem sentir qualquer dor. Desde um procedimento odontológico como canal, até uma cirurgia para por um osso no devido lugar. Nada, não sentem absolutamente nada. Isso é muito bom, certo?

ERRADO!

Por causa deste bloqueio total à dor, as crianças sofrem lesões e fraturas graves sem se perceberem do mal que isso representa. Muitas se automutilam, outras, por não receberem o aviso natural que algo está errado no corpo, continuam brincando normalmente por não se darem conta, por exemplo, de uma fratura nos membros, o que acaba por agravar a lesão e terminar, muitas vezes, em uma cirurgia de amputação.

Sentir dor é ruim, mas não sentir dor é horrível.

Eu tenho observado como a felicidade é um produto altamente rentável. Vende-se felicidade a todo custo e com todas as facilidades comerciais possíveis. Mas, a forma mais dramática deste comércio se resume na frase:

-NÃO SOFRA MAIS!!!

E no meio eclesiástico esta tem sido uma “ferramenta” altamente utilizada. Promessas de felicidade a todo custo. Promete-se até o que Deus nunca prometeu. Mas, e a dor, onde fica?

Acostumados às promessas do “venha que Jesus resolverá todos os teus problemas”, muitos cristãos deixam o evangelho ao menor sinal de tristeza, perseguição ou dor. Para estes, o evangelho aceitável é aquele que faz do homem miserável e solitário um milionário com uma família feliz e saudável.
Sinto muito, mas a dor também faz parte do evangelho. O evangelho foi construído, escrito, vivido e estabelecido sob muitas dores.

Dor de Deus ao ver sua criação perfeita se vender ao pecado por um prazer transitório e que nem de longe se compararia com as coisas que Ele tinha preparado.

Dor do homem ao cair em si e perceber a besteira que fez ao trocar uma vida santa na presença de Deus, por uma promessa maliciosa de poder. Dor não só por ser expulso do lugar perfeito, mas da presença daquele que é perfeito.

Dor daqueles que lutam há séculos para tentar fazer os homens voltarem atrás, se arrependeram e buscarem outra vez a presença de Deus, mas, em troca, recebem prisões, maldições, exilamentos, desprezo, perseguições, humilhações, torturas e morte. Como está escrito:

“Por amor de ti somos entregues à morte todo o dia: fomos reputados como ovelhas para o matadouro”. 
Rm 8.36

E ainda:

“E outros experimentaram escárnios e açoites, e até cadeias e prisões. Foram apedrejados, serrados, tentados, mortos a fio de espada; andaram vestidos de peles de ovelhas e de cabras, desamparados, aflitos e maltratados (homens dos quais o mundo não era digno), errantes pelos desertos, e montes, pelas covas e cavernas da terra”. 
Hb 11.36-38

Ainda poderia citar Mt. 10.23; Lc 11.49 e 21.12; Jo 15.20; ICo 4.12; IICo 4.7-10.

Dor daqueles que hoje assistem pasmados a corrupção e a luta pelo poder no alto clero evangélico. Nas disputas que vão parar na tv, nas rádios e na internet.

Não queremos sentir dor. Não gostamos de sentir dor. E se nós não nos sentimos encorajados a pesquisar a causa da nossa dor antes de trata-la, que dirá sentir a dor dos outros! Compartilhar alegria é bom e fácil, mas, deixar de estar na casa do riso para estar na casa do pranto e do luto, é extremamente desagradável e poucos são os que se dispõem a tal. Apesar do conselho do sábio:

“Melhor ir à casa onde há luto do que ir à casa onde há banquete, porque ali se vê o fim de todos os homens; e os vivos o aplicam em seu coração. Melhor é a tristeza do que o riso, porque com a tristeza do rosto se faz melhor o coração”.
 Ec 7.2-3

Compartilhar a dor pode ser a forma mais eficaz de tratar nossos desvios e defeitos. Mas, quando tapamos os ouvidos à voz da dor (seja nossa, seja do outro), estamos caminhando a passos largos para uma amputação ou morte.

Depois de muitas dores, humilhações e acusações, Jó pode dizer:

“Com o ouvir dos meus ouvidos ouvi, mas agora te veem meus olhos”. 
 Jó 42.5

A dor não é um fim em si mesma, ela é um agente de comunicação que sempre traz alguma mensagem de problemas que devem ser observados. Menosprezar sua voz não é bom. O problema é real, e se não houver quem avise, ou se o aviso não for levado em conta, o problema permanece, e agora livre para agir sem qualquer resistência.

Quando o SENHOR permitir que passe por dores, ouça sua voz, atente para a lição. Seja dor física ou emocional, ela tem um recado que precisa ser ouvido. Ouvir é um dos mandamentos mais importantes e repetidos em toda a Bíblia. Ouvir a dor pode ser a diferença entre a restauração e a morte prematura.
Ouça a voz de Deus, mesmo que venha entre dores.

Mesmo em dores que levem à morte,
Ser constante, não voltes atrás,
Tua herança, tua eterna sorte,
É Jesus, o Fiel, o Veraz.
(Trecho da 3ª estrofe do hino 26, na Harpa Cristã)

2 comentários:

  1. Raramente encontramos na blogosfera textos sobre o assunto abordado: a Dor. Seja numa visão cristã ou filosofica, é mais interessante pra qualquer um falar sobre felicidade, esperança, prosperidade e assuntos do gênero do que falar sobre a dor, que como você aborda no texto faz parte da existência humana. Parabéns pelo texto. Demorou para postar, uma vez que mim disse que iria publicar no dia seguinte que falou comigo. Mas, valeu a pena esperar (risos). Com sua autorização estarei transcrevendo-o no Blog Cristo em Mente.
    Grande abraço!!!

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  2. Foi mal Paulinho, mas precisa ajustar algumas coisas e pesquisar melhor outras. Te agradeço pelo carinho. Quanto ao tempo, estou ciente que demoro bastante para postar, mas,desta vez, não demorarei tanto, provavelmente ainda hoje postarei um novo texto.

    Um abraço.

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